sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XXIII

CAPÍTULO XXIII
COMO SE AFASTAM OS ADULADORES
(QUOMODO ADULATORES SINT FUGIENDI)


Não quero deixar de tratar de um ponto importante, de um erro do qual
os príncipes só com muita dificuldade se defendem, se não são de
extrema prudência ou se não fazem boa escolha. Refiro-me aos
aduladores, dos quais as cortes estão repletas, dado que os homens se
comprazem tanto nas suas coisas próprias e de tal modo se iludem, que
com dificuldade se defendem desta peste e, querendo defender-se, há o
perigo de tornar-se menosprezado. Não há outro meio de guardar-se da
adulação, a não ser fazendo com que os homens entendam que não te
ofendem dizendo a verdade; mas, quando todos podem dizer-te a verdade,
passam a faltar-te com a reverência.


Portanto, um príncipe prudente deve proceder por uma terceira maneira,
escolhendo em seu Estado homens sábios e somente a eles deve dar a
liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais.
Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões;
depois, de liberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com
cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto
mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas
opiniões. Fora aqueles, não querer ouvir ninguém, seguir a deliberação
adotada e ser obstinado nas suas decisões. Quem procede por outra
forma, ou é precipitado pelos aduladores, ou muda freqüentemente de
opinião pela variedade dos pareceres; daí resulta a sua desestima.


Quero, a este propósito, aduzir um exemplo atual. Pe. Lucas, homem do
atual Imperador Maximiliano, falando de Sua Majestade, disse que ele
não se aconselhava com ninguém e não fazia nada a seu modo; isso
resultava de ter costume contrário ao acima exposto. Porque o
Imperador é homem discreto, não comunica a ninguém os seus desígnios,
não pede parecer; mas, como ao serem postos em prática começam a ser
conhecidos e descobertos, começam, a ser contrariados por aqueles que
o cercam, e ele, como é homem de opinião fraca, os desfaz. Dai resulta
que as coisas que faz num dia são destruídas no outro e que não se
entenda nunca o que ele quer ou o que deseja fazer, não podendo pessoa
alguma basear-se em suas deliberações.


Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre, mas quando ele
queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o
desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir. Mas
deve ser grande perguntador e, depois, acerca das coisas perguntadas,
paciente ouvinte da verdade; antes, notando que alguém por algum
respeito não lhe diga a verdade, deve mostrar aborrecimento. Há muitos
que entendem que o príncipe que dá de si opinião de prudente, seja
assim considerado não pela sua natureza, mas pelos bons conselhos que
o rodeiam, porém, sem dúvida alguma, estão enganados, eis que esta é
uma regra geral que nunca falha: um príncipe que não seja sábio por si
mesmo, não pode ser bem aconselhado, a menos que por acaso confiasse
em um só que de todo o governasse e fosse homem de extrema prudência.
Este caso poderia bem acontecer, mas duraria pouco, porque aquele que
efetivamente governasse, em pouco tempo lhe tomaria o Estado; mas,
aconselhando-se com mais de um, um príncipe que não seja sábio, não
terá nunca os conselhos uniformes e não saberá por si mesmo harmonizá-
los. Cada conselheiro pensará por si e ele não saberá corrigi-los nem
inteirar-se do assunto. E não é possível encontrar conselheiros
diferentes, porque os homens sempre serão maus se por uma necessidade
não forem tornados bons. Consequentemente se conclui que os bons
conselhos, venham de onde vierem, devem nascer da prudência do
príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos bons conselhos

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