sábado, 24 de novembro de 2007

MAQUIAVEL AO MAGNIFICO LOREZO DE MÉDICI

O PRÍNCIPE

Costumam, o mais das vezes, aqueles que desejam conquistar as graças
de um Príncipe, trazer-lhe aquelas coisas que consideram mais caras ou
nas quais o vejam encontrar deleite, donde se vê amiúde serem a ele
oferecidos cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros
ornamentos semelhantes, dignos de sua grandeza. Desejando eu,
portanto, oferecer-me a Vossa Magnificência com um testemunho qualquer
de minha submissão, não encontrei entre os meus cabedais coisa a mim
mais cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos
grandes homens apreendido através de uma longa experiência das coisas
modernas e uma contínua lição das antigas as quais tendo, com grande
diligência, longamente perscrutado e examinado e, agora, reduzido a um
pequeno volume, envio a Vossa Magnificência.


E se bem julgue esta obra indigna da presença de Vossa Magnificência,
não menos confio que deva ela ser aceita, considerado que de minha
parte não lhe possa ser feito maior oferecimento senão o dar-lhe a
faculdade de poder, em tempo assaz breve, compreender tudo aquilo que
eu, em tantos anos e com tantos incômodos e perigos, vim a conhecer.
Não ornei este trabalho, nem o enchi de períodos sonoros ou de
palavras pomposas e magníficas, ou de qualquer outra figura de
retórica ou ornamento extrínseco, com os quais muitos costumam
desenvolver e enfeitar suas obras; e isto porque não quero que outra
coisa o valorize, a não ser a variedade da matéria e a gravidade do
assunto a tornarem-no agradável. Nem desejo se considere presunção se
um homem de baixa e ínfima condição ousa discorrer e estabelecer
regras a respeito do governo dos príncipes: assim como aqueles que
desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza
dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situam em
posição elevada sobre os montes, também, para bem conhecer o caráter
do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é
preciso ser do povo. Receba, pois, Vossa Magnificência este pequeno
presente com aquele intuito com que o mando; nele, se diligentemente
considerado e lido, encontrará o meu extremo desejo de que lhe advenha
aquela grandeza que a fortuna e as outras suas qualidades lhe
prometem. E se Vossa Magnificência, das culminâncias em que se
encontra, alguma vez volver os olhos para baixo, notará quão
imerecidamente suporto um grande e contínuo infortúnio.

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