sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XX
SE AS FORTALEZAS E MUITAS OUTRAS COISAS QUE A CADA DIA SÃO FEITAS
PELOS PRÍNCIPES SÃO ÚTEIS OU NÃO
(AN ARCES ET MULTA ALIA QUAE COTIDIE A PRINCIPIBUS FIUNT UTILIA AN
INUTILIA SINT)


Para conservar seguramente o Estado, alguns príncipes desarmaram os
seus súditos, outros mantiveram divididas as terras submetidas, alguns
nutriram inimizades contra si mesmos, outros dedicaram-se a conquistar
o apoio daqueles que lhes eram suspeitos no início de seu governo,
alguns construíram fortalezas, outros as arruinaram e destruíram. E,
se bem não seja possível estabelecer determinado juízo sobre todas
essas coisas sem entrar nas particularidades de cada um dos Estados
onde devesse ser tomada alguma dessas deliberações, falarei de maneira
genérica, compatível com o assunto.


Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse os seus súditos, mas,
antes, sempre que os encontrou desarmados, armou-os; isto porque,
armando-os, essas armas passam a ser tuas, tornam fiéis aqueles que te
são suspeitos, os que eram fiéis assim se conservam e de súditos
tornam-se teus partidários. E, porque não se pode armar todos os
súditos, beneficiados aqueles que armas, com os outros podes tratar
mais seguramente; essa diversidade de tratamento que reconhecem em seu
favor os torna obrigados para contigo e os outros desculpar-te-ão,
julgando ser necessário tenham aqueles mais recompensas por estarem
sujeitos a maiores perigos e maiores obrigações. Mas quando os
desarmas, começas a ofendê-los, mostras deles duvidar, ou por vileza
ou por desconfiança uma ou outra destas opiniões concebe ódio contra
ti. E, por não poderes ficar desarmado, torna-se necessário que te
voltes à milícia mercenária, que é daquela qualidade que já foi dita
e, quando fosse boa, não poderia sê-lo por forma a defender-te dos
inimigos poderosos e dos súditos suspeitos.


Porém, como disse, um príncipe novo num principado também novo, sempre
organizou as forças armadas e destes exemplos a história está repleta.
Mas, quando um príncipe conquista um novo Estado que, como membro, se
agrega ao antigo, então é necessário desarmar o conquistado, salvo
aqueles que, nele, foram teus partidários na conquista; estes mesmos,
com o tempo e a oportunidade, devem ser tornados amolecidos e
efeminados, procedendo-se de modo que as armas fiquem somente em poder
de teus próprios soldados, daqueles que, no Estado antigo, estavam
junto de ti.


Os nossos antepassados e aqueles que eram considerados entendidos
costumavam dizer que Pistóia precisava ser mantida pela divisão do
povo e Pisa pelas fortalezas; e, por isso mesmo, em algumas regiões
por eles conquistadas, mantinham as discórdias entre os partidos para
dominá-las mais facilmente. Isto, naqueles tempos em que a Itália
apresentava certo equilíbrio, devia ser útil. Mas não creio se possa
admitir tal como preceito hodierno, eis que não acredito pudessem as
divisões, alguma vez, acarretar qualquer benefício; ao contrário,
quando o inimigo se avizinha, as cidades divididas, necessariamente,
perdem-se logo, eis que sempre a parte mais fraca aderirá às forças
externas e a outra não poderá resistir.


Os venezianos, levados pelas razões acima mencionadas segundo
acredito, incentivavam as facções guelfas e gibelinas nas cidades a
eles submetidas; e, se bem nunca as deixassem chegar à luta,
alimentavam entre elas essas divergências para que, ocupados os
cidadãos naquelas suas diferenças, não se unissem contra eles. Isso,
como se viu, não lhes aproveitou porque, derrotados em Vailá, logo
algumas daquelas cidades passaram a se insurgir e lhes tomaram todo o
Estado. Tais atitudes revelam fraqueza do príncipe, eis que em um
principado poderoso jamais serão permitidas semelhantes divisões,
úteis somente em tempo de paz, eis que por elas pode-se mais
facilmente manejar os súditos; mas, sobrevindo a guerra, tal sistema
demonstra sua falácia.


Sem dúvida alguma, os príncipes se tornam grandes quando superam as
dificuldades e as oposições que lhes são antepostas; porém a fortuna,
principalmente quando quer tornar grande um príncipe novo, que tem
mais necessidade de adquirir reputação do que um hereditário, o faz
nascer dos inimigos e determina que lhe sejam opostos embaraços, a fim
de que ele tenha oportunidade de superá-los e, assim, possa subir mais
alto pela escada que os inimigos lhe oferecem, Por isso, muitos pensam
que um príncipe hábil deve, quando tenha ocasião, incentivar com
astúcia alguma inimizade para, eliminada esta, continuar a ascensão de
sua grandeza.


Os príncipes, particularmente aqueles que são novos, têm encontrado
mais lealdade e maior utilidade nos homens que no início de seu
governo foram considerados suspeitos, do que nos que inicialmente eram
seus confidentes. Pandolfo Petrucci, príncipe de Siena, dirigia o seu
Estado mais com aqueles que lhe foram suspeitos do que com os que não
o foram. Mas deste assunto não é possível falar em caráter genérico,
pois o mesmo varia segundo cada caso. Somente direi isto: os homens
que no início de um principado haviam sido inimigos, sendo de condição
que para manter-se precisam de apoio, o príncipe poderá sempre com
grande facilidade vir a conquistá-los; e eles tanto mais são forçados
a servi-lo com lealdade, quanto reconheçam ser-lhes necessário
cancelar com obras aquela má opinião que, a seu respeito, se fazia.
Assim, o príncipe deles obtém sempre maior utilidade do que daqueles
que, servindo-o com excessiva segurança, descuram de seus interesses.


Já que o assunto torna oportuno, não quero deixar de recordar aos
príncipes que tomaram um Estado novo pelo favor de alguns dos
habitantes do mesmo deverem considerar bem qual a razão que determinou
assim agissem os que o favoreceram; se a mesma não é afeição natural
em relação a eles mas sim, se o apoio decorreu do fato dos mesmos não
estarem satisfeitos com o Estado anterior, só com fadiga e grande
dificuldade se poderá conservá-los amigos, dado que é quase impossível
possam vir a ser contentados. E, considerando bem os exemplos que se
extraem das coisas antigas e modernas, em razão disso, ver-se-á ser
muito mais fácil ao príncipe tornar amigos aqueles homens que se
contentavam com o regime antigo e, portanto, eram seus inimigos, que
aqueles que, por descontentes, fizeram-se seus amigos e o favoreceram
na conquista.


Tem sido costume dos príncipes, para poder manter seu Estado mais
seguramente, edificar fortalezas que sejam a brida e o freio postos
aos que desejassem enfrentá-los, bem como um refúgio seguro contra um
ataque de surpresa. Eu louvo esse proceder, porque usado desde tempos
remotos; não obstante messer Nicoló Vitelli, nos tempos atuais,
destruiu duas fortalezas na Cidade de Castelo para, assim, conservar o
Estado. Guido Ubaldo, Duque de Urbino, tendo retornado ao seu domínio
de que havia sido expulso por César Bórgia, destruiu desde os
alicerces todas as fortalezas daquela província, por entender que sem
aquelas seria mais difícil perder novamente seu Estado. Os
Bentivoglio, retornados a Bolonha, usaram igual expediente. Portanto,
as fortalezas são úteis ou não, segundo os tempos; se te fazem bem por
um lado, prejudicam-te por outro. Pode-se explicar esta afirmativa
pela forma a seguir exposta.


O príncipe que tiver mais temor de seu povo do que dos estrangeiros,
deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos
estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las. O castelo de Milão,
edificado por Francisco Sforza, fez e fará mais guerra à casa dos
Sforza do que qualquer outra desordem naquele Estado. Por isso, a
melhor fortaleza que possa existir é o não ser odiado pelo povo: mesmo
que tenham fortificações elas de nada valem se o povo te odeia, eis
que a este, quando tome das armas, nunca faltam estrangeiros que o
socorram. Nos nossos tempos vê-se que as fortalezas não têm sido
proveitosas a príncipe algum, senão à Condessa de Forli quando foi
morto o Conde Girolamo, seu esposo, eis que a mesma, refugiando-se
numa fortificação, pode fugir ao ímpeto popular, esperar pelo socorro
de Milão e recuperar o Estado; ademais, as circunstâncias eram tais
que o estrangeiro não podia socorrer o povo. Depois, também para ela
pouco valeram as fortalezas quando César Bórgia a atacou e o povo, seu
inimigo, aliou-se ao estrangeiro. Portanto, teria sido mais seguro
para ela, quer então, quer antes, não ser odiada pelo povo do que
possuir fortalezas. Consideradas assim todas estas questões, louvarei
tanto os que fizerem como os que não fizerem as fortalezas e
censurarei aquele que, fiando-se nas fortificações, venha a subestimar
o fato de ser odiado pelo povo.

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