sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XXI

CAPÍTULO XXI
O QUE CONVÉM A UM PRÍNCIPE PARA SER ESTIMADO
(QUOD PRINCIPEM DECEAT UT EGREGIUS HABEATUR)


Nada faz estimar tanto um príncipe como as grandes empresas e o dar de
si raros exemplos. Temos, nos nossos tempos, Fernando de Aragão, atual
rei de Espanha. A este pode-se chamar, quase, príncipe novo, porque de
um rei fraco tornou-se, por fama e por glória, o primeiro rei dos
cristãos; e, se considerardes suas ações, as achareis todas grandiosas
e algumas mesmo extraordinárias. No começo de seu reinado, assaltou
Granada e esse empreendimento foi o fundamento de seu Estado. Primeiro
ele o fez isoladamente, sem luta com outros Estados e sem receio de
ser impedido de tal; manteve ocupadas nesse empreendimento as atenções
dos barões de Castela que, pensando na guerra, não cogitavam de
inovações e ele, por esse meio, adquiria reputação e autoridade sobre
os mesmos sem que de tal se apercebessem. Pode manter exércitos com
dinheiro da Igreja e do povo e, com tão longa campanha, estabeleceu a
organização de sua milícia que, depois, tanto o honrou. Além disto,
para poder encetar maiores empreendimentos, servindo-se sempre da
religião, dedicou-se a uma piedosa crueldade expulsando e livrando seu
reino dos marranos, ação de que não pode haver exemplo mais miserável
nem mais raro. Sob essa mesma capa, atacou a África, fez a campanha da
Itália e, ultimamente, assaltou a França; assim, sempre fez e urdiu
grandes empreendimentos, os quais em todo o tempo mantiveram suspensos
e admirados os ânimos dos súditos, ocupados em esperar o êxito dessas
guerras. Essas suas ações nasceram umas das outras, pelo que, entre
elas, não houve tempo para que os homens pudessem agir contra ele.


Muito apraz a um príncipe dar de si exemplos raros na forma de
comportar-se com os súditos, semelhantes àqueles que são narrados de
messer Barnabò de Milão, quando surge a oportunidade de alguém ter
realizado alguma coisa extraordinária de bem ou de mal na vida civil,
obtendo meio de premiá-lo ou puni-lo por forma que seja bastante
comentada, Acima de tudo, um príncipe deve empenhar-se em dar de si,
com cada ação, conceito de grande homem e de inteligência
extraordinária.


Um príncipe é estimado, ainda, quando verdadeiro amigo e vero inimigo,
isto é, quando sem qualquer consideração se revela em favor de um,
contra outro. Esta atitude é sempre mais útil do que ficar neutro, eis
que, se dois poderosos vizinhos teus entrarem em luta, ou são de
qualidade que vencendo um deles tenhas a temer o vencedor, ou não. Em
qualquer um destes dois casos será sempre mais útil o definir-te e
fazer guerra digna, porque no primeiro caso se não te definires serás
sempre presa do que vencer, com prazer e satisfação do que foi
vencido, e não terás razão ou coisa alguma que te defenda nem quem te
receba. O vencedor não quer amigos suspeitos ou que não o ajudem nas
adversidades; quem perde não te recebe por não teres querido correr a
sua sorte de armas em punho.


Antíoco invadiu a Grécia a chamado dos etólios para expulsar os
romanos. Enviou embaixadores aos aqueus, amigos dos romanos, para
concitá-los a ficarem neutros, enquanto os romanos os persuadiam a
tomar armas ao seu lado. Esta matéria veio à deliberação do congresso
dos aqueus, onde o legado de Antíoco os induzia à neutralidade; a
isto, o representante romano respondeu: Quod autem isti dicunt non
interponendi vos bello, nihil magis alienum rebus vestris est; sine
gratia, sine dignitate, praemium victoris eritis.


Sempre acontecerá que aquele que não é amigo procurará tua
neutralidade e aquele que é amigo pedirá que te definas com as armas.
Os príncipes irresolutos, para fugir aos perigos presentes, seguem na
maioria das vezes o caminho da neutralidade e, geralmente, caem em
ruína. Mas, quando o príncipe se define galhardamente em favor de uma
das partes, se aquele a quem aderes vence, mesmo que seja tão poderoso
que venhas a ficar á sua discrição, ele tem obrigação para contigo e
está ligado a ti pela amizade; e os homens nunca são tão desonestos
que, com tamanha prova de ingratidão, possas vir a ser oprimido.


Além disso, as vitórias nunca são tão brilhantes que o vencedor não
deva ter qualquer consideração, principalmente para com o que é justo.
Mas, se aquele a quem aderes perder, serás amparado por ele e,
enquanto puder, ajudar-te-á e ficarás associado a uma fortuna que
poderá ressurgir. No segundo caso, quando aqueles que lutam são de
classe que não devas temer o vencedor, ainda maior prudência é aderir,
pois causas a ruína de um com a ajuda de quem deveria salvá-lo, se
fosse sábio; vencendo, fica à tua mercê, e é impossível não vença com
o teu auxílio.


Note-se aqui que um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer
aliança com um mais poderoso que ele para atacar os outros, senão
quando a necessidade o compelir, como se disse acima, porque,
vencendo, torna-se seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o
quanto possam de ficar à discrição dos outros. Os venezianos aliaram-
se à França contra o duque de Milão, podendo ter evitado essa aliança
de que resultou a sua ruína. Mas, quando não se pode evitá-la (como
aconteceu aos florentinos quando o Papa e a Espanha levaram seus
exércitos a atacar a Lombardia), então deverá o príncipe aderir pelas
razões acima expostas. Nem julgue algum Estado poder adotar sempre
partidos seguros, devendo antes pensar ser obrigado a tomar,
freqüentemente, partidos duvidosos; vê-se na ordem das coisas que
nunca se procura fugir a um inconveniente sem incorrer em outro e a
prudência consiste em saber conhecer a natureza desses inconvenientes
e tomar como bom o menos prejudicial.


Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando
oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte. Ao
mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a exercer pacificamente as
suas atividades no comércio, na agricultura e em qualquer outra
ocupação, de forma que o agricultor não tema ornar as suas
propriedades por receio de que as mesmas lhe sejam tomadas, enquanto o
comerciante não deixe de exercer o seu comércio por medo das taxas;
deve, além disso, instituir prêmios para os que quiserem realizar tais
coisas e os que pensarem em por qualquer forma engrandecer a sua
cidade ou o seu Estado. Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano,
distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está
dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas
corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de
si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não
obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar
em coisa alguma

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