sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVI
DA LIBERALIDADE E DA PARCIMÔNIA
(DE LIBERALITATE ET PARSIMONIA)


Começando, pois, com os primeiros dos já referidos atributos, digo que
seria um bem o ser havido como liberal. Contudo, a liberalidade, usada
por forma que se torne conhecida de todos, te prejudica, porque, se
usada virtuosamente e como se a deve usar, ela não se torna conhecida
e não conseguirás tirar de cima de ti a má fama do seu contrário;
porém, querendo manter entre os homens o nome de liberal, é preciso
não esquecer nenhuma espécie de suntuosidade, de forma tal que um
príncipe assim procedendo consumirá em ostentação todas as suas
finanças e terá necessidade de, ao final, se quiser manter o conceito
de liberal, gravar extraordinariamente o povo de impostos, ser duro no
fisco e fazer tudo aquilo de que possa se utilizar para obter
dinheiro. Isso começará a torná-lo odioso perante o povo e,
empobrecendo-o, fá-lo-á pouco estimado de todos; de forma que, tendo
ofendido a muitos e premiado a poucos com essa sua liberalidade, sente
mais intensamente qualquer revés inicial e periclita face ao primeiro
perigo. Percebendo isso e querendo recuar, o príncipe incorre desde
logo na má fama de miserável.


Um príncipe, pois, não podendo usar essa qualidade de liberal sem
sofrer dano, tornando-a conhecida, deve ser prudente, deve não se
preocupar com a pecha de miserável, eis que, com o decorrer do tempo,
será considerado sempre mais liberal, uma vez vendo o povo que com sua
parcimônia a receita lhe basta, pode defender-se de quem lhe mova
guerra e tem possibilidade de realizar empreendimentos sem gravar o
povo; assim agindo, vem a usar liberalidade para com todos aqueles dos
quais nada tira, que são numerosos, e a empregar miséria para com
todos os outros a quem não dá, que são poucos. Nos nossos tempos não
temos visto grandes realizações senão daqueles que foram havidos por
miseráveis, enquanto vimos os outros serem extintos. O Papa Júlio II,
como utilizou a fama de liberal para atingir ao papado, não pensou
depois em conservá-la, para poder fazer guerra; o atual rei de França
fez tantas guerras sem lançar um tributo extraordinário sobre seus
súditos, somente porque sobrepôs sua parcimônia às despesas
supérfluas. O presente rei de Espanha, se havido como liberal, não
teria realizado nem vencido em tantos empreendimentos.


Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar seus
súditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado,
para não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer
na fama de miserável, porque esse é um daqueles defeitos que o fazem
reinar. E se alguém dissesse que César alcançou o Império pela
liberalidade, sem contar muitos outros que têm sido ou são
considerados liberais e atingiram altíssimos postos, eu responderia:
ou tu já és príncipe ou estás em via de o ser. No primeiro caso, essa
liberalidade é prejudicial, no segundo é bem necessário ser
considerado liberal; e César era um daqueles que queriam ascender ao
principado de Roma, mas se, depois que o alcançou, tivesse vivido e
não tivesse usado comedimento nas despesas, teria destruído o Império.
E se alguém replicasse que houve muitos príncipes, tidos como
extremamente liberais, que realizaram grandes feitos com seus
exércitos, responderia: ou o príncipe gasta do seu, ou de seus
súditos, ou de outrem; no primeiro caso, deve ser parcimonioso; nos
outros, não deve deixar de praticar nenhuma liberalidade.


E aquele príncipe que vai com os exércitos, que se mantém de
rapinagem, de saques e de resgates, maneja bens de outros, tem
necessidade dessa liberalidade porque, do contrário, não será seguido
pelos soldados. E, daquilo que não é teu nem de súditos teus, podes
ser o mais generoso doador, como o foram Ciro, César e Alexandre, eis
que o despender aquilo que é dos outros não te tira reputação, ao
contrário, a aumenta; somente o gastar o teu é que te prejudica. E não
há coisa que tanto se destrua a si mesma como a liberalidade, pois,
enquanto tu a usas, perdes a faculdade de utilizá-la, tornando-te
pobre e desprezado ou, para fugir à pobreza, rapace e odioso. Dentre
todas as coisas de que um príncipe se deve guardar está o ser
desprezado e odiado, e a liberalidade te conduz a uma e a outra dessas
coisas. Portanto, é mais sabedoria ter a fama de miserável, que dá
origem a uma infâmia sem ódio, do que, por querer o conceito de
liberal, ver-se na necessidade de incorrer no julgamento de rapace,
que cria uma má fama com ódio.

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