sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XI
DOS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS
(DE PRINCIPATIBUS ECLESIASTICIS)


Resta-nos somente, agora, falar dos principados eclesiásticos, nos
quais todas as dificuldades existem antes que se os possuam, eis que
são adquiridos ou pela virtude ou pela fortuna, e sem uma e outra se
conservam, porque são sustentados pelas ordens de há muito
estabelecidas na religião; estas tornam-se tão fortes e de tal
natureza que mantêm os seus príncipes sempre no poder, seja qual for o
modo por que procedam e vivam. Só estes possuem Estados e não os
defendem; súditos, e não os governam; os Estados, por serem indefesos,
não lhes são tomados; os súditos, por não serem governados, não se
preocupam, não pensam e nem podem separar-se deles. Somente estes
principados, pois, são seguros e felizes. Mas, sendo eles dirigidos
por razão superior, à qual a mente humana não atinge, deixarei de
falar a seu respeito,mesmo porque, sendo engrandecidos e mantidos por
Deus, seria obra de homem presunçoso e temerário dissertar a seu
respeito. Contudo, se alguém me perguntar donde provém que a Igreja,
no poder temporal, tenha chegado a tanta grandeza, pois que antes de
Alexandre os potentados italianos, e não apenas aqueles que eram ditos
"potentados" mas qualquer barão e senhor, mesmo que sem importância,
pouco valor davam ao poder temporal da Igreja, e agora um rei de
França treme, ela pode expulsá-lo da Itália e ainda logra arruinar os
venezianos, apontarei fatos que, a despeito de conhecidos, não me
parece supérfluo reavivar em parte na memória.


Antes que Carlos, rei da França, invadisse a Itália, esta província
encontrava-se sob o domínio do Papa, dos venezianos, do rei de
Nápoles, do duque de Milão e dos florentinos. Estes potentados tinham
de se haver com dois cuidados principais: um, que nenhum estrangeiro
entrasse na Itália com tropas; o outro, que nenhum deles ocupasse mais
Estado. Aqueles dos quais se tinha mais receio eram o Papa e os
venezianos. Para conter os venezianos tornou-se necessária a união de
todos os demais, como ocorreu na defesa de Ferrara; para deter o Papa,
serviam-se dos barões de Roma, eis que. estando divididos em duas
facções, Orsíni e Colonna, sempre existia motivo de discórdia entre
eles e, estando de arma em punho sob os olhos do pontífice, mantinham
o pontificado fraco e inseguro. Se bem surgisse, vez por outra, um
Papa animoso, como foi Xisto, nem a sua fortuna nem o seu saber
puderam livrá-lo desses inconvenientes. A brevidade da vida dos
pontífices era a causa dessa situação, porque, nos dez anos que, em
média, vivia um Papa, somente com muita dificuldade podia ele
enfraquecer uma das facções; se, por exemplo, um deles tivesse quase
extinguindo os collonessi surgia um outro, inimigo dos Orsíni, que os
fazia ressurgir sem que tivesse tempo de liquidar os Orsíni. Isto
tornava o poder temporal do Papa pouco considerado na Itália.


Surgiu depois Alexandre VI que, de todos os pontífices que já
existiram, foi o que mostrou o quanto um Papa podia, com o dinheiro e
as tropas, para adquirir maior poder; e fez, com o uso do Duque
Valentino como instrumento e com a oportunidade da invasão dos
franceses, todas aquelas coisas que relatei acima com relação às ações
do duque. Se bem seu intento não fosse o de tornar grande a Igreja mas
sim o duque, não obstante, tudo o que fez reverteu em favor da
grandeza da Igreja, a qual, após a sua morte, extinto o duque, se
tornou herdeira de sua obra. Veio depois o Papa Júlio e encontrou a
Igreja grande, possuindo toda a Romanha, reduzidos à impotência os
barões de Roma e, pelas perseguições de Alexandre, anuladas aquelas
facções; encontrou, ainda, o caminho aberto para acumular dinheiro, o
que jamais havia sido feito antes de Alexandre.


Júlio não só seguiu tais práticas, como as ampliou; pensou em
conquistar Bolonha, extinguir os venezianos e expulsar os franceses da
Itália: todos esses empreendimentos lhe saíram bem, e com tanto maior
louvor quanto realizou tudo isso para engrandecer a Igreja e não para
favorecer algum cidadão particular. Conservou, ainda, os partidos dos
Orsíni e dos Colonna nas mesmas condições em que os encontrara e, se
bem entre eles houvesse algum chefe capaz de fazer mudar a situação,
duas coisas os mantiveram quietos: uma, a grandeza da Igreja, que os
atemorizava; a outra, não terem eles cardeais, os quais são os
causadores dos tumultos entre as facções. Nem em tempo algum ficarão
quietas essas partes, desde que possuam cardeais, pois estes sustentam
os partidos dentro e fora de Roma e os barões são forçados a defendê-
los; assim, da ambição dos prelados, nascem as discórdias e os
tumultos entre os barões. Sua Santidade, o Papa Leão, encontrou o
pontificado potentíssimo e, espera-se, se aqueles que referimos o
fizeram grande pelas armas, este o fará ainda maior e mais venerado
pela bondade e suas outras infinitas virtudes.

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