sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO X

CAPÍTULO X
COMO SE DEVEM MEDIR AS FORÇAS DE TODOS OS PRINCIPADOS
(QUOMODO OMNIUM PRINCIPATUUM VIRES PERPENDI DEBEANT)


Ao examinar as qualidades destes Estados, convém fazer uma outra
consideração, isto é, se um príncipe tem Estado tão grande e forte que
possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou então se tem sempre
necessidade da defesa de outrem. Para esclarecer melhor esta parte,
digo julgar como podendo manter-se por si mesmos aqueles que podem,
por abundância de homens e de dinheiro, organizar um exército à altura
do perigo a enfrentar e fazer face a uma batalha contra quem venha
assaltá-lo, assim como julgo necessitados da defesa de outrem os que
não podem defrontar o inimigo em campo aberto, mas são obrigados a
refugiar-se atrás dos muros da cidade, guarnecendo-os. Quanto ao
primeiro caso já foi falado e, futuramente, diremos o que for
necessário; relativamente ao segundo, não se pode aduzir algo mais do
que exortar tais príncipes a fortificarem e a proverem sua cidade, não
se preocupando com o território que a contorna. E quem tiver bem
fortificada sua cidade e, acerca dos outros assuntos, se tenha
conduzido para com os súditos como acima foi dito e abaixo se
esclarecerá, será sempre assaltado com grande temor, porque os homens
são sempre inimigos dos empreendimentos onde vejam dificuldades, e não
se pode encontrar facilidade para atacar quem tenha sua cidade forte e
não seja odiado pelo povo.


As cidades da Alemanha gozam de grande liberdade, têm pouco território
e obedecem ao imperador quando assim querem, não temendo nem a este
nem a outro poderoso que lhes esteja ao derredor porque são de tal
forma fortificadas que todos pensam dever ser enfadonha e difícil sua
expugnação. Na verdade, todas têm fossos e muros adequados, possuem
artilharia suficiente, conservam sempre nos armazéns públicos o
necessário para beber, comer e arder por um ano; além disso, para
manter a plebe alimentada sem prejuízo do povo, têm sempre, em comum,
por um ano, meios para lhe dar trabalho naquelas atividades que sejam
o nervo e a vida daquelas cidades e das indústrias das quais a plebe
se alimente. Têm em grande conceito os exercícios militares, a
respeito dos quais têm muitas leis de regulamentação.


Um príncipe, pois, que tenha uma cidade forte e não se faça odiar, não
pode ser atacado e, existindo alguém que o assaltasse, retirar-se-ia
com vergonha, eis que as coisas do mundo são assim tão variadas que é
quase impossível alguém pudesse ficar com os exércitos ociosos por um
ano, a assediá-lo. A quem replicasse que, tendo as suas propriedades
fora da cidade e vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o longo
assédio e a piedade de si mesmo o farão esquecer o príncipe, eu
responderia que um príncipe poderoso e afoito superará sempre aquelas
dificuldades, ora dando aos súditos esperança de que o mal não será
longo, ora incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se
com destreza daqueles que lhe pareçam muito temerários. Além disso, é
razoável que o inimigo deva queimar o país apenas chegado, nos tempos
em que o ânimo dos homens está ainda ardente e voluntarioso na defesa;
por isso, o príncipe deve ter pouca dúvida porque, depois de alguns
dias, quando os ânimos estão mais frios, os danos já foram causados,
os males já foram sofridos e não há mais remédio; então, os súditos
vêm se unir ainda mais ao semi príncipe, parecendo-lhes que este lhes
deva obrigação, uma vez que suas casas foram incendiadas e suas
propriedades arruinadas para a defesa do mesmo. E a natureza dos
homens é aquela de obrigar-se tanto pelos benefícios que são feitos
como por aqueles que se recebem. Donde, em se considerando tudo bem,
não será difícil a um príncipe prudente conservar firmes, antes e
depois do cerco, os ânimos de seus cidadãos, desde que não faltem
víveres nem meios de defesa.

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