terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Feliz Sonho Novo!

Feliz Sonho Novo!

“De que serviria a vida se não fosse para corrigir erros, vencer nossos preconceito e, a cada dia, alargar nosso coração e nosso pensamento?”
Romain Rolland – Jean Christophe

A passagem de ano é uma época de reflexão e de renovação de expectativas. Esta ocasião gera uma motivação especial em nossas vidas. É comum fazermos balanços sentimentais, financeiros, profissionais e de outras naturezas. Arrependemos-nos de coisas que fizemos e de outras que deixamos de fazer, assim como nos conformamos com determinadas situações e nos parabenizamos por realizações alcançadas. Portanto a pergunta é a seguinte: será que podemos utilizar este momento para promover um crescimento pessoal?

Como bem disse Albert Einstein, “A maioria de nós prefere olhar para fora e não para dentro de si próprio”.

Neste final de ano, refletindo, me dei conta de ter escrito perto de cem artigos, que foram publicados em revistas, jornais, portais, sites, blogs e comunidades da internet. Tratamos de assuntos que vão da gestão de carreira e marketing pessoal, ao comportamento humano, passando pelas relações interpessoais, e a influência da inteligência emocional para o sucesso pessoal e profissional. Por isto, e para não cair na tentação de me aventurar na distribuição gratuita de conselhos às pessoas nesta época festiva, pensei em embutir algumas dicas abordadas em meus artigos dentro de uma mensagem de ano novo que gostaria de dedicar àqueles que acompanharam nosso trabalho. Aqui vão elas:

• Começo destacando que é fundamental em nossa vida termos objetivos bem claros, portanto a primeira dica é: “Tenha sonhos”. Seja passar num concurso, comprar um carro, casar, divorciar, conquistar alguém, acertar na loteria, mudar de vida, viajar, se apaixonar. Não importa, construa um ou mais sonhos importantes o suficiente para dar sentido à sua vida e para se motivar. A vida sem um sonho é um navio à deriva.
• Respeite a si mesmo, pois só assim as pessoas irão respeitá-lo também. Se prometer, cumpra e se não puder cumprir, avise. Não permita que ninguém brinque com seus sentimentos e com seu destino e não brinque com os sentimentos e com o destino das pessoas. Aqui vai a segunda sugestão: “Tenha princípios e valores, e lute por eles respeitando o direito das pessoas”.
• Não leve as vida tão a sério a ponto de se tornar carrancudo. O bom humor é um santo remédio, e faz bem à saúde, aos relacionamentos, ao trabalho e à vida. Portanto: “Sorria, e procure incluir o bom humor no seu dia a dia”.
• A felicidade é muito mais do que um sonho e também é mais do que a ausência do pesadelo, é um direito divino de todos os seres humanos. É preciso buscá-la no trabalho e na vida pessoal, nos relacionamentos afetivos e nas relações familiares. Assim: “Busque a felicidade a todo custo, e em cada dia de sua vida, pois você tem direito a ela”.
• O medo e a culpa são sentimentos inevitáveis, por isto temos de aprender a conviver com eles. Assim como a dor, eles são uma forma que a natureza tem para nos proteger contra nossa tendência a nos colocar em risco, portanto não se deixe abater por estas sensações e utilize estes sentimentos a seu favor. Por isto: “Aprenda a conviver com o medo e o sentimento de culpa descobrindo o lado positivo destas sensações”.
• Cuide de sua mente. Acredite nos seus instintos, confie no seu inconsciente e tenha fé. A parte menos esperta e mais sem graça de uma pessoa é seu lado consciente e racional, ele serve para fazer contas e ganhar dinheiro, mas não nos realiza. É por isto que as crianças são tão espirituosas, alegres e felizes, elas são intuitivas. Minha sexta dica é: “Cuide de sua mente, ela é a única passagem que existe para a felicidade”.
• Cuide do seu corpo, ele é mais útil a você do que seu carro novo, seu notebook, seu celular de ultima geração e do que sua TV de plasma. Então, porque investimos tão pouco nele? Por esta razão: “Cuide de seu corpo, trate-o com zelo, invista nele todo o tempo e recursos disponíveis”.
• Aumente sua percepção do mundo, assim você se comunicará melhor com as pessoas e com a natureza. Talvez seja hora de olhar mais cuidadosamente para as pessoas com quem convive, ouvi-las atenciosamente, tocá-las com mais cuidado e carinho, sentir de verdade o aroma da natureza, o gosto dos alimentos e das bebidas que ingerimos. Minha sugestão é: “Desenvolva seus cinco sentidos”.
• Aprenda a tomar decisões baseadas em critérios e valores. Família, dinheiro, profissão, amor, relacionamentos e prazer são alguns dos motivos que nos levam a fazer escolhas. Precisamos ter uma hierarquia de valores e critérios que nos ajudem a tomar as decisões de maneira segura e sem arrependimentos. Portanto: “Tenha critérios para tomar decisões baseadas em seus valores segundo a ordem de importância dos mesmos”.
• Concluo este conjunto de dicas falando sobre a importância das crenças. É preciso, sobretudo, acreditar em nós mesmos e em nossa capacidade de realização. As crenças são como profecias auto realizáveis, pois quando acreditamos realmente que podemos conquistar alguma coisa, esta fé inabalável exerce um grande impacto sobre nosso comportamento e influencia o resultado final de nossas conquistas. Minha dica numero dez é: “Desenvolva sua fé. Quando tiver objetivos e sonhos creia firmemente que poderá alcançá-los”.

Provavelmente algumas destas sugestões farão muito sentido para você neste momento de sua vida, outras não, por isto sugiro que analise aquelas que podem lhe ser úteis agora, e utilize-as para melhorar sua vida. Em troca, como retribuição, faça uma boa ação nesta passagem de ano. As outras, guarde-as com carinho, pois talvez possam lhe inspirar no futuro.

Feliz ano novo!

Ari Lima
contato@arilima.com
http://www.ari-lima.blogspot.com/

sábado, 24 de novembro de 2007

A Liderança Segundo Maquiavel - INTRODUÇÃO

A Liderança Segundo Maquiavel

Uma introdução


Apresentar uma tese sobre liderança gera, em todos os sentidos que se
queira analisar, um grande desafio. Em primeiro lugar existem diversas
escolas de liderança pregando métodos diferentes, todos buscando
alcançar o mesmo objetivo. Existem as escolas mais humanistas, outras
democráticas, já algumas defendem uma forma mais autoritária de
conduzir a liderança, e tantas outras formas de abordar o mesmo tema.


Escolhemos apresentar uma tese de liderança específica, influenciada
na teoria de Nicolau Maquiavel sobre o assunto, fazendo as adaptações
necessárias e, claro, incluindo conceitos modernos que estejam de
acordo com as idéias citadas.


Não temos a presunção de estar apresentando a teoria definitiva sobre
liderança, até porque não acreditamos que esta teoria possa existir.
Apenas queremos apresentar uma forma de liderança que possa, de alguma
forma e em determinadas circunstancias ser útil às organizações e às
pessoas que ocupem cargos de chefia.


Gostaríamos de fazer dois alertas iniciais a todos que se ocuparem de
conhecer as idéias aqui apresentadas. O primeiro, é sobre o termo
"Maquiavelismo", que tem conotação negativa, quando se fala em
utilizar métodos escusos para obter determinados resultados. "Os fins
justificam os meios, e, por isto, vale tudo para atingir os fins
almejados, pensam algumas pessoas."


Neste caso podemos dizer que, assim como o bisturi é um instrumento
que pode ser utilizado para salvar vidas, mas também pode tirá-las,
muitas das idéias aqui apresentadas podem ser usadas de uma forma
positiva e útil nas organizações, como também de maneira negativa e
danosa nas mesmas. Vai depender ética e das intenções das pessoas que
irão utilizá-las.


Outra advertência que gostaríamos de mencionar é sobre a natureza do
comportamento humano. Seria ideal que pudéssemos desenvolver uma
teoria puramente humanista levando-se em conta que essencialmente as
pessoas são boas e têm sempre comportamentos louváveis e previsíveis.
No entanto, como nos alerta Maquiavel, devemos esquecer a fantasia ou
a imaginação e tratar apenas da realidade, indo atrás da verdade
efetiva das coisas.


Por isto, é necessário levar em conta um conjunto de fatores sobre o
comportamento dos profissionais dentro das organizações que não são
necessariamente dignos de elogios, mas que são a expressão da
realidade em muitos casos.


Seria desejável que as pessoas tivessem apenas virtudes como:
generosidade, fidelidade, piedade, coragem, franqueza, benevolência,
bom humor, entusiasmo, disposição física e mental, entre outras boas
qualidades. Mas a verdade é que encontramos também avareza, crueldade,
covardia, pusilanimidade, truculência, superficialidade, inveja,
cobiça, ambição desmedida, perversidade, intrigas e muitos outros
desvios de personalidade.


Desta forma, o líder precisar levar em conta todas estas
possibilidades de comportamentos. Muitas pessoas dentro das
organizações chegam mesmo a precisar de algum tipo de tratamento e, no
entanto, continuam trabalhando normalmente e desta forma prejudicando
seus colegas de trabalho e os objetivos da organização. Por isto, às
vezes será necessário tomar decisões duras e difíceis que desagradarão
alguns, mas que serão benéficas para muitos.


Na obra "O Príncipe", escrita no início do século XVI, Maquiavel
desenvolve um estudo sobre a natureza das ações dos "príncipes", termo
que utilizava para designar todo mandatário que dirigia um país,
região ou província independente, e do comportamento de seus
liderados. O autor elaborou um verdadeiro tratado sobre como chegar ao
poder e, mais importante, manter-se nele, de maneira eficaz. A partir
da análise do comportamento humano, mostrou como um líder pode
utilizar o conhecimento da natureza humana para influenciar as ações
de seus liderados.


Através do conhecimento de obras clássicas cujos princípios
sobreviveram através dos séculos é possível obter muita sabedoria e
aplica-las nos dias atuais. Este é o caso dos consultores americanos,
Al Ries e Jack Trout, que lançaram em 1986 o livro "Marketing de
Guerra", onde desenvolveram a tese do posicionamento tático
estratégico das empresas frente à concorrência.


Suas idéias foram baseadas nas teses do General Prussiano Karl Von
Clausewitz, em seu tratado "On War" (1832), texto obrigatório nas
principais academias militares do mundo. Neste livro, os autores
demonstram de forma inteligente como é possível às organizações
utilizarem os mesmos princípios da guerra convencional para alcançarem
sucesso frente à concorrência.


Assim como o estudo das teses de Clausewitz permitiu que seus
princípios fossem utilizados com sucesso pelas organizações a partir
da analogia entre a guerra convencional e a batalha entre as empresas,
também entendemos que muitas das idéias de Maquiavel, nesta obra,
poderão ser úteis aos lideres nas corporações. Tanto em empresas
públicas como nas privadas, e em diversas outras instituições, a
difícil missão de liderar pessoas e obter o melhor resultado do
trabalho delas poderá ser facilitada pela utilização das idéias aqui
apresentadas.


Existem muitas questões sobre liderança, analisadas por Maquiavel em
sua obra, que continuam incomodando executivos, diretores, gerentes e
demais lideres empresarias na maioria das corporações atuais. Muitos
dos conceitos abordados em sua obra "casam como uma luva" nas
organizações, atualmente. Outros precisam de certas adaptações.


Para exemplificar podemos citar os títulos de alguns dos capítulos da
obra "O Príncipe":


· As qualidades pelas quais os homens, sobretudo os príncipes, são
louvados ou censurados.
· A generosidade e parcimônia.
· A crueldade e a clemência: se é melhor ser amado do que temido, ou o
contrário.
· Como evitar o desprezo e o ódio.
· Como um príncipe deve agir para ser estimado.
· Como evitar os aduladores.


O desafio de adaptar muitos destes conceitos à realidade das
organizações atual, é, em parte, facilitado por ser a obra de
Maquiavel um texto universal o suficiente para ter atravessado cinco
séculos de história mantendo-se válido para uma grande gama de
situações políticas e sociais. No entanto, no contexto em que
apresentamos foi necessário fazer a adaptação para a área
organizacional.


Nesta obra Maquiavel nos apresenta um estudo sobre a natureza humana
isento de preconceitos e ética, o que nos obriga a também realizar uma
análise sobre estes aspectos para melhor contextualiza-los em nossa
realidade atual e utilizá-los de maneira útil para as pessoas e
organizações.


Nos próximos capítulos estaremos fazendo exatamente isto: analisando
passo a passo a obra "O Príncipe", e extraindo as idéias que poderão
ser utilizadas de maneira eficaz pelos lideres organizacionais, ou
seja, diretores, executivos, chefes, gerentes, supervisores e demais
cargos de chefia dentro das organizações para conseguir uma melhor
produtividade de seus colaboradores.


Acreditamos que este estudo poderá contribuir de maneira efetiva e
gerar um impacto positivo no resultado almejado pelos lideres
organizacionais. No entanto fica um sinal de alerta: Maquiavel se
isentou de considerações éticas na defesa de muitas de suas teses, por
isto, solicitamos a todos que farão uso destas poderosas idéias, que
possam guiar-se pelas melhores intenções para o bem das organizações e
das pessoas que nelas trabalham, tendo como juiz sua própria
consciência.


Ari Lima
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Participe do grupo de discussão sobre liderança
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Obs.


A partir dos próximos dias estaremos publicando sequencialmente cada
um dos dezessete capítulos que compõem esta obra, que esperamos possam
contribuir para esclarecer e ajudar na difícil tarefa de liderar

A LIDERANÇA SEGUNDO MAQUIAVEL

A Liderança Segundo Maquiavel

Capítulo 1 - Como foi adquirido a liderança


A primeira análise em relação aos desafios que espera o Líder é saber
de que forma este cargo, ou liderança, foi conquistado. Alguns são
conquistados por merecimento, outros por indicação de alguém. Existe a
liderança surgida dentro do próprio grupo, e outras vindas de fora. Há
aquelas conquistadas por uma articulação do próprio Líder, com métodos
não convencionais ou escusos, assim como outras surgem pela própria
estrutura da organização que prevê uma ascensão por tempo de serviço
ou com outro critério estipulado por regras.


Em cada caso haverá um grau de dificuldade, sendo que dependendo como
a equipe que perceber a chegada do novo Líder, poderá aceita-lo ou não
mais facilmente. Existem casos em que o novo Líder assume com grande
prestígio e todos sentem uma honra e grande motivação em fazer parte
de sua equipe. Em outros casos sua chegada é recebida com desconfiança
ou até mesmo com reações contrárias, o que promete criar grandes
problemas de adaptação na função de comando.


Uma das principais qualidades esperada de um Líder é o conhecimento
profundo da natureza humana, para perceber e entender qual é sua
situação inicial frente aos comandados. De que forma está sendo
percebido e como será aceito pelo grupo. Existe uma excelente
ferramenta gerencial que pode ser utilizada pelo novo líder para
conhecer a opinião da equipe sobre ele mesmo, que é a "janela de
Johari". Este modelo foi criada por dois psicólogos americanos, Joseph
Luft e Harrington Ingham, há cerca de 50 anos, que mostra a interação
entre nossa auto-percepção e a maneira como os outros nos vêem.


A Janela de Johari é dividida em quatro quadrantes, veremos a seguir o
que significa cada um destas partes.


EU PÚBLICO - Este primeiro quadrante, chamado de eu aberto ou eu
público, é formado por sua auto percepção e pela maneira como os
outros percebem você.


EU FECHADO - Esta é nossa área secreta, neste quadrante estão
incluídas as informações e características pessoais que somente você
conhece sobre si mesmo. E só você mesmo é quem pode decidir o que irá
revelar ou não aos outros.


EU CEGO - Esta é nossa área cega. Aquela área de nossa vida que
desconhecemos em relação ao que os outros percebem de nós. Quando
temos um baixo nível de relacionamento interpessoal, a tendência é que
as pessoas não exponham o que pensam de nós, e com isso ficamos sem
ter feedback.


EU DESCONHECIDO - O eu desconhecido compreende o campo de nosso
inconsciente, daquilo que tanto você desconhece sobre si mesmo, como
também os outros desconhecem sobre você.


É fundamental que os lideres trabalhem melhor o auto-conhecimento,
procurando ampliar a área do eu público e diminuir as áreas do eu
cego, do eu fechado e do eu desconhecido. Procure está atendo às
reações e comportamento das pessoas e solicite sempre que possível
opiniões e feedback às pessoas de sua confiança.


Assim como para conhecer a natureza do líder é preciso ser um membro
da base organizacional, também para conhecer a natureza dos membros da
base organizacional é preciso pensar como um líder.


Maquiavel ilustra este ponto com a seguinte observação: O pintor que
desenha uma paisagem, de baixo observa o contorno das montanhas e de
tudo o que está no alto, enquanto do alto observa tudo que está
embaixo. Da mesma forma, para conhecer bem a natureza do povo, é
necessário ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe, é
necessário pertencer ao povo.


Em função da realidade que encontrar no contexto de sua área de
comando, o Líder terá maiores ou menores problemas, e é fundamental
que possa percebê-los desde o princípio, pois: "como dizem os médicos
sobre a tuberculose, no início o mal é fácil de curar e difícil de
diagnosticar. Mas, como o passar do tempo, não tendo sido nem
reconhecida nem medicada, torna-se fácil de diagnosticar e difícil de
curar. O mesmo sucede nos assuntos de estado. Prevenindo-se os males
que nascem, o que só é permitido a um sábio, estes são curados
rapidamente. Mas, quando se permite que cresçam, por não havê-los
previsto, todos os reconhecem, porem não há mais remédio."


Dessa forma, deve um líder estar atento às condições de aceitação que
encontrar em sua equipe de trabalho e de seus assessores mais
próximos, para poder desde o inicio prever as situações críticas e
poder administrá-las adequadamente.


À medida que o líder observar que sua condição está sendo questionada,
ou porque nutrem temor de mudanças indesejadas, ou porque sentem a
falta da liderança anterior, ou porque discordam do método utilizado
para a escolha do novo comando, serão necessárias ações rápidas. O
novo líder precisa demonstrar o mais cedo possível e de forma
inquestionável sua competência e aptidão para o cargo.


Concluímos dizendo que o primeiro grande desafio de um Líder é
conhecer profundamente o perfil psicológico de seus comandados, bem
como o grau de aceitação que tem em relação aos mesmos, para poder
saber o real poder de influencia e comando que goza junto a esta
equipe.


Ari Lima
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Estaremos publicando sequencialmente, nos próximos dias, cada um dos
dezessete capítulos que compõem esta obra, que esperamos possam
contribuir para esclarecer e ajudar na difícil tarefa de liderar
pessoas.

A LIDERANÇA SEGUINDO MAQUIAVEL 2

Capítulo 2 - Cargos conquistados com recursos próprios e qualidades
pessoais


Ao conquistar um cargo de chefia dentro de uma organização, o novo
Líder precisa realizar uma serie de analises para poder situar-se
naquele novo contexto. Em primeiro lugar, é necessário conhecer o
histórico de quem conduziu o cargo no passado, e saber diferenciar as
ações que obtiveram sucesso daquelas que fracassaram, procurando
imitar em seus antecessores as experiências bem sucedidas. "Deve um
homem prudente utilizar os caminhos já traçados pelos grandes".


Também é preciso conhecer bem o perfil individual e coletivo da equipe
que irá trabalhar diretamente, "seu exército particular", e também a
cultura daquela organização como um todo. O resultado de seu trabalho
e de sua liderança está intimamente relacionado ao poder de influência
do líder sobre aquela equipe.


Em geral, um líder novo enfrenta maiores ou menores dificuldades
dependendo de suas virtudes e da conjuntura dos aspectos subjetivos do
novo cargo, o que Maquiavel costumava chamar de "Sorte". O Líder que
depender menos da Sorte e mais das suas virtudes, terá maiores chances
de sucesso.


Um dos principais riscos do novo líder certamente é a introdução de
novas regras ao assumir o cargo, pois geralmente ocorrerá uma forte
resistência por parte daqueles que se beneficiavam com as normas
antigas, assim como será frágil a defesa das novas regras pelos demais
colaboradores uma vez que ainda não conhecem e não crêem na eficácia
das novas leis.


Por esta razão, é necessário saber se o novo Líder dependerá apenas de
si próprio para implantar as novas regras, ou se terá que persuadir
seus colaboradores para viabilizar as inovações. No primeiro caso, é
preciso ter certeza de que terá força e autoridade para implantá-las
por tempo suficiente até que surtam efeito positivo sobre o sistema.
Caso contrário terá que desenvolver uma estratégia para convencer e
persuadir seus colaboradores por tempo suficiente para que o sistema
comece a funcionar de maneira adequada.


É preciso levar em conta o seguinte: "em geral a natureza das pessoas
é volúvel; É fácil persuadi-los de alguma coisa, mas é difícil mantê-
los persuadidos. Convém organizar-se de modo a que, quando não
acreditam mais, possa-se fazê-los acreditar com algum tipo de força."


Ao assumir um cargo de chefia o novo Líder deve procurar basear suas
ações muito mais nas próprias competências do que nas condições
encontradas no ambiente, na sorte e na promessa de apoio das pessoas.
Também é preciso ter certeza da própria força e autoridade que o cargo
lhe confere para poder introduzir inovações e mudanças de regras que
certamente poderão desagradar parte de seus colaboradores.


Alem do conhecimento específico de sua área de atuação, algumas
competências serão fundamentais para consolidar a posição do novo
Líder. Capacidade de motivar a si mesmo e aos outros, comunicação e
relacionamento interpessoais, bom humor, habilidade de negociação,
capacidade de trabalhar em equipe, firmeza de propósitos e disposição
para enfrentar dificuldades.


Todas estas são competências que podem ser desenvolvidas mediante
estudo, treinamento e força de vontade. O Líder tem de dar, sobretudo,
o exemplo de comportamento que deve ser seguido por toda a equipe.
Precisa exigir estas competências de todos os membros da equipe, para
que possam ser produtivos, por isto, o exemplo a ser seguido é o seu
próprio exemplo.


Quanto mais rápido o Líder consolidar sua posição de liderança, mais
fácil será mantê-la. Se, como diz a linguagem popular, há cargos em
que é preciso "matar um tigre todo dia, quanto maior o tigre que se
matar no inicio de sua liderança, menores serão os tigres que serão
preciso matar diariamente, para conservá-la."


Existe uma tendência a se fazer comparações entre o Líder antigo e o
novo Líder. Por isto é preciso conhecer o histórico das ações da
gestão anterior, primeiro para não cometer os mesmos erros, e segundo
para, copiando os acertos, procurar ter um estilo diferenciado para
não ser taxado de imitador.


Uma outra preocupação é com os "secretários" do Líder anterior.
Aquelas pessoas que, por lealdade ou mesmo involuntariamente, podem
tentar dificultar o trabalho do no Líder. É fundamental cercar-se de
pessoas de confiança nas posições estratégicas para evitar ter o seu
trabalho prejudicado.


Concluímos dizendo que o novo Líder deve basear seu poder de liderança
em suas próprias competências e virtudes pessoais, e nos sistema de
regras e procedimentos gerenciais que implantar mais do que na
confiança no poder do cargo ou do apoio de pessoas alheias as sua
vontade e poder de influencia.


Ari Lima
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contribuir para esclarecer e ajudar na difícil tarefa de liderar
pessoas.

A LIDERANÇA SEGUNDO MAQUIAVEL - 2

Capítulo 3 - Cargos conquistados por influencias externas
independentes das virtudes do Líder


O Líder que recebe o cargo independente de sua competência, por sorte
ou influencia externa, deve se preparar para viver momentos de
dificuldades até consolidar sua liderança. Este é o tipo de comando
que se ganha com facilidade, mas normalmente se mantém com grande
esforço. Em geral, neste caso o Líder será bastante questionado em seu
comando, e terá de mostrar rapidamente suas virtudes, capacidade de
liderança e competência profissional.


É comum em empresas públicas e também em organizações privadas um
profissional assumir determinado cargo de chefia através da influência
de um amigo poderoso, através de uma troca de favores, ou mesmo por
uma conjugação de fatores que não levam em conta a competência e as
virtudes do novo Líder.


São duas as principais dificuldades que se apresentarão nestas
circunstancias para o novo Líder. Em primeiro lugar, ou sua força
baseia-se no poder de quem lhes deu o cargo, neste caso não têm
autoridade própria, ou pior ainda, seu poder veio através das
condições do destino e da sorte, fatores difíceis de serem
controlados. A outra dificuldade surge em razão da pouca cooperação
espontânea que receberá de seus novos comandados, em função justamente
da precária legitimidade que têm pela maneira como conquistou o
cargo.


De todo modo, impõe-se a necessidade de construir rapidamente as bases
que tornem possível consolidar sua liderança. A dificuldade surge
justamente porque, assim como toda construção precisa de fundações
sólidas para apoiar o peso dos andares que virão, um Líder que não
pôde construir suas bases antes de assumir o comando terá dificuldades
para receber apoio no inicio da gestão. A falta de apoio e poder
exigirá muito esforço para fazer valer sua autoridade e para implantar
as medidas necessárias à sua gestão.


Em razão destas condições adversas, o novo Líder precisará
desenvolver, além de um ânimo bastante forte, duas condições
essenciais que lhe permitirão iniciar sua gestão com as condições
necessárias para obter sucesso. Inicialmente precisa negociar um apoio
externo ao cargo, que lhe permita ter a autoridade mínima necessária
para se impor nos primeiros momentos. Em seguida, o Líder precisa
conquistar a confiança de alguns membros chaves da equipe para que
possa construir um núcleo de adesão dentro do grupo que irá comandar.


Este núcleo de apoio servirá de interface entre o novo Líder e a
equipe como um todo, enviando mensagens e obtendo feedback de maneira
segura e confiável. O grupo de confiança poderá identificar os
problemas de adaptação, as pessoas insatisfeitas, os adversários da
nova gestão e as principais expectativas dos comandados.


Um grande conselho de Maquiavel é o seguinte: o novo Líder deve
procurar fazer todas as ofensas, ou seja, realizar as medidas difíceis
e impopulares necessárias à nova gestão todas de uma vez, para que não
precise renová-las todos os dias e poder, ao não repeti-las, dar
confiança aos seus colaboradores com outros benefícios. Segundo
Maquiavel, "quem age de outra forma, ou por timidez ou mau conselho,
precisa estar sempre com o punhal na mão". E continua, " Pois as
injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, para que, durando pouco
tempo marquem menos. Os benefícios devem ser feitos pouco a pouco para
serem melhor saboreados."


Mesmo não tendo conquistado o cargo com virtudes próprias, será
fundamental ao novo Líder um conjunto de competências para vencer as
dificuldades e barreiras iniciais. Principalmente a capacidade de
comunicação e relacionamento interpessoais, assim como uma boa
habilidade em negociação será fundamental neste momento. Não tendo
estas competências, e não tendo legitimidade, o novo Líder ficará
totalmente dependente da autoridade externa para se manter no cargo e
o mais provável é que venha a ter uma gestão bastante incompetente.


Uma das principais prioridades do novo Líder deve ser conquistar o
maior numero de amizades e bons relacionamentos entre seus comandados,
pois estes serão fundamentais nas adversidades que poderão surgir no
decorrer de sua gestão. Alem disto, precisa negociar acordos e apoios
com pessoas que tenham influência para poder apoiá-lo nos momentos
adversos.


Portanto concluímos dizendo ao Líder que se vê obrigado a assumir um
cargo de maneira alheia a sua própria competência, que deve preparar-
se para momentos difíceis. Mas que, se seguir os conselhos
apresentados anteriormente e superar a fase inicial de sua gestão, as
condições para se tornar um comandante de sucesso passam a ser as
mesmas de um Líder que conquistou o poder de maneira natural ou por
seus próprios meios.


Ari Lima
31 9918 1900
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Obs.


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dezessete capítulos que compõem esta obra, que esperamos possam
contribuir para esclarecer e ajudar na difícil tarefa de liderar
pessoas.


v

O PRÍNCIPE - ÍNDICE

O PRÍNCIPE
Maquiavel
AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI
NICOLÓ MACHIAVELLI

ÍNDICE


DOS PRINCIPADOS
Capítulo II. Dos principados hereditários
Capítulo III. Dos principados mistos
Capítulo IV. Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se
rebelou contra seus sucessores após a morte deste
Capítulo V. De que modo se devam governar as cidades ou principados
que, antes de serem ocupados, viviam com as suas próprias leis
Capítulo VI. Dos principados novos que se conquistam com as armas
próprias e virtuosamente
Capítulo VII. Dos principados novos que se conquistam com as armas e
fortuna dos outros
Capítulo VIII. Dos que chegaram ao principado por meio de crimes
Capítulo IX. Do principado civil
Capítulo X. Como se devem medir as forças de todos os principados
Capítulo XI. Dos principados eclesiásticos
Capítulo XII. De quantas espécies são as milícias, e dos soldados
mercenários
Capítulo XIII. Dos soldados auxiliares, mistos e próprios
Capítulo XIV. O que compete a um príncipe acerca da milícia(tropa)
Capítulo XV. Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os
príncipes, são louvados ou vituperados .
Capítulo XVI. Da liberalidade e da parcimônia
Capítulo XVII. Da crueldade e da piedade; se é melhor ser amado que
temido, ou antes temido que amado
Capítulo XVIII. De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra
dada
Capítulo XIX. De como se deva evitar o ser desprezado e odiado
Capítulo XX. Se as fortalezas e muitas outras coisas que a cada dia
são feitas pelos príncipes são úteis ou não
Capítulo XXI. O que convém a um príncipe para ser estimado
Capítulo XXII. Dos secretários que os príncipes têm junto de si
Capítulo XXIII. Como se afastam os aduladores
Capítulo XXIV. Por que os príncipes da Itália perderam seus estados
Capítulo XXV. De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que
modo se lhe deva resistir
Capítulo XXVI. Exortação para procurar tomar a Itália e libertá-la das
mãos dos bárbaros
Carta de Machiavelli a Francesco Vettori, em Roma

MAQUIAVEL AO MAGNIFICO LOREZO DE MÉDICI

O PRÍNCIPE

Costumam, o mais das vezes, aqueles que desejam conquistar as graças
de um Príncipe, trazer-lhe aquelas coisas que consideram mais caras ou
nas quais o vejam encontrar deleite, donde se vê amiúde serem a ele
oferecidos cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros
ornamentos semelhantes, dignos de sua grandeza. Desejando eu,
portanto, oferecer-me a Vossa Magnificência com um testemunho qualquer
de minha submissão, não encontrei entre os meus cabedais coisa a mim
mais cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos
grandes homens apreendido através de uma longa experiência das coisas
modernas e uma contínua lição das antigas as quais tendo, com grande
diligência, longamente perscrutado e examinado e, agora, reduzido a um
pequeno volume, envio a Vossa Magnificência.


E se bem julgue esta obra indigna da presença de Vossa Magnificência,
não menos confio que deva ela ser aceita, considerado que de minha
parte não lhe possa ser feito maior oferecimento senão o dar-lhe a
faculdade de poder, em tempo assaz breve, compreender tudo aquilo que
eu, em tantos anos e com tantos incômodos e perigos, vim a conhecer.
Não ornei este trabalho, nem o enchi de períodos sonoros ou de
palavras pomposas e magníficas, ou de qualquer outra figura de
retórica ou ornamento extrínseco, com os quais muitos costumam
desenvolver e enfeitar suas obras; e isto porque não quero que outra
coisa o valorize, a não ser a variedade da matéria e a gravidade do
assunto a tornarem-no agradável. Nem desejo se considere presunção se
um homem de baixa e ínfima condição ousa discorrer e estabelecer
regras a respeito do governo dos príncipes: assim como aqueles que
desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza
dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situam em
posição elevada sobre os montes, também, para bem conhecer o caráter
do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é
preciso ser do povo. Receba, pois, Vossa Magnificência este pequeno
presente com aquele intuito com que o mando; nele, se diligentemente
considerado e lido, encontrará o meu extremo desejo de que lhe advenha
aquela grandeza que a fortuna e as outras suas qualidades lhe
prometem. E se Vossa Magnificência, das culminâncias em que se
encontra, alguma vez volver os olhos para baixo, notará quão
imerecidamente suporto um grande e contínuo infortúnio.

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO I

CAPÍTULO I


DE QUANTAS ESPÉCIES SÃO OS PRINCIPADOS E DE QUE MODOS SE ADQUIREM
(QUOT SINT GENERA PRINCIPATUUM ET QUIBUS MODIS ACQUIRANTUR)


Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre
os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os principados
são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo
tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão
com Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado
hereditário do príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em
relação ao rei da Espanha. Estes domínios assim obtidos estão
acostumados, ou a viver submetidos a um príncipe, ou a ser livres,
sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as próprias, bem como
pela fortuna ou por virtude.


DOS PRINCIPADOS
(De Principatibus)

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO II

CAPÍTULO II
DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS
(DE PRINCIPATIBUS HEREDITARIIS)

Não cogitarei aqui das repúblicas porque delas tratei longamente em
outra oportunidade. Voltarei minha atenção somente para os
principados, irei delineando os princípios descritos e discutirei como
devem ser eles governados e mantidos. Digo, pois, que para a
preservação dos Estados hereditários e afeiçoados à linhagem de seu
príncipe, as dificuldades são assaz menores que nos novos, pois é
bastante não preterir os costumes dos antepassados e, depois,
contemporizar com os acontecimentos fortuitos, de forma que, se tal
príncipe for dotado de ordinária capacidade sempre se manterá no
poder, a menos que uma extraordinária e excessiva força dele venha a
privá-lo; e, uma vez dele destituído, ainda que temível seja o
usurpador, volta a conquistá-lo.


Nós temos na Itália, como exemplo, o Duque de Ferrara que não cedeu
aos assaltos dos venezianos em 1484 nem aos do Papa Júlio em 1510,
apenas por ser antigo naquele domínio. Na verdade, o príncipe natural
tem menores razões e menos necessidade de ofender: donde se conclui
dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é
lógico e natural seja benquisto de todos. E na antigüidade e
continuação do exercício do poder, apagam-se as lembranças e as causas
das inovações, porque uma mudança sempre deixa lançada a base para a
ereção de outra

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO III

CAPÍTULO III
DOS PRINCIPADOS MISTOS
(DE PRINCIPATIBUS MIXTIS)


Mas é nos principados novos que residem as dificuldades. Em primeiro
lugar, se não é totalmente novo mas sim como membro anexado a um
Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode chamar-se "quase
misto"), as suas variações resultam principalmente de uma natural
dificuldade inerente a todos os principados novos: é que os homens,
com satisfação, mudam de senhor pensando melhorar e esta crença faz
com que lancem mão de armas contra o senhor atual, no que se enganam
porque, pela própria experiência, percebem mais tarde ter piorado a
situação. Isso depende de uma outra necessidade natural e ordinária, a
qual faz com que o novo príncipe sempre precise ofender os novos
súditos com seus soldados e com outras infinitas injúrias que se
lançam sobre a recente conquista; dessa forma, tens como inimigos
todos aqueles que ofendeste com a ocupação daquele principado e não
podes manter como amigos os que te puseram ali, por não poderes
satisfazê-los pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar-lhes
corretivos violentos uma vez que estás a eles obrigado; porque sempre,
mesmo que fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do apoio dos
habitantes para penetrar numa província. Foi por essas razões que Luís
XII, rei de França, ocupou Milão rapidamente e logo depois o perdeu,
para tanto bastando inicialmente as forças de Ludovico, porque aquelas
populações que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu
pensar anterior e descrentes daquele bem-estar futuro que haviam
imaginado, não mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo
novo príncipe.


Ë bem verdade que, reconquistando posteriormente as regiões rebeladas,
mais dificilmente se as perdem, eis que o senhor, em razão da
rebelião, é menos vacilante em assegurar-se da punição daqueles que
lhe faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar
os pontos mais fracos. Assim sendo, se para que a França viesse a
perder Milão pela primeira vez foi suficiente um Duque Ludovico que
fizesse motins nos seus limites, já para perdê-lo pela segunda vez foi
preciso que tivesse contra si o mundo todo e que seus exércitos fossem
desbaratados ou expulsos da Itália, o que resultou das razões logo
acima apontadas. Não obstante, tanto na primeira como na segunda vez,
Milão foi-lhe tomado.


As razões gerais da primeira foram expostas; resta agora falar sobre
as da segunda vez e ver de que remédios dispunha a França e de que
meios poderá valer-se quem venha a encontrar-se em circunstâncias
tais, para poder manter-se na posse da conquista melhor do que o fez
esse país.


Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e anexados a um
Estado antigo, ou são da mesma província e da mesma língua, ou não o
são: Quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos, máxime
quando não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los
seguramente será bastante ter-se extinguido a estirpe do príncipe que
os governava, porque nas outras coisas, conservando-se suas velhas
condições e não existindo alteração de costumes, os homens passam a
viver tranqüilamente, como se viu ter ocorrido com a Borgonha, a
Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo estiveram com a
França, isto a despeito da relativa diversidade de línguas, mas graças
à semelhança de costumes facilmente se acomodaram entre eles. E quem
conquista, querendo conservá-los, deve adotar duas medidas: a
primeira, fazer com que a linhagem do antigo príncipe seja extinta; a
outra, aquela de não alterar nem as suas leis nem os impostos; por tal
forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o território conquistado
passa a constituir um corpo todo com o principado antigo.


Mas, quando se conquistam territórios numa província com língua,
costumes e leis diferentes, aqui surgem as dificuldades e é necessário
haver muito boa sorte e habilidade para mantê-los. E um dos maiores e
mais eficientes remédios seria aquele do conquistador ir habitá-los.
Isto tornaria mais segura e mais duradoura a posse adquirida, como
ocorreu com o Turco da Grécia, que a despeito de ter observado todas
as leis locais, não teria conservado esse território se para aí não
tivesse se transferido. Isso porque, estando no local, pode-se ver
nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser elas reprimidas; aí
não estando, delas somente se tem notícia quando já alastradas e não
mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada não é
saqueada pelos lugar-tenentes; os súditos ficam satisfeitos porque o
recurso ao príncipe se torna mais fácil, donde têm mais razões para
amá-lo, querendo ser bons, e para temê-lo, caso queiram agir por forma
diversa. Quem do exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele terá
maior respeito; donde, habitando-o, o príncipe somente com muita
dificuldade poderá vir a perdê-lo.


Outro remédio eficaz é instalar colônias num ou dois pontos, que sejam
como grilhões postos àquele Estado, eis que é necessário ou fazer tal
ou aí manter muita tropa. Com as colônias não se despende muito e, sem
grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação
prejudica somente àqueles de quem se tomam os campos e as casas para
cedê-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela mínima
do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos
e pobres, não podem causar dano algum, enquanto que os não lesados
ficam à parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao pensamento de que
não poderão errar para que a eles não ocorra o mesmo que aconteceu
àqueles que foram espoliados. Concluo dizendo que estas colônias não
são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e os prejudicados não
podem causar mal, tornados pobres e dispersos como já foi dito. Por
onde se depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados,
pois se se vingam das pequenas ofensas, das graves não podem fazê-lo;
daí decorre que a ofensa que se faz ao homem deve ser tal que não se
possa temer vingança. Mas mantendo, em lugar de colônias, forças
militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a arrecadação daquele
Estado na guarda aí destacada; dessa forma, a conquista transforma-se
em perda e ofende muito mais por que danifica todo aquele país com as
mudanças do alojamento do exército, incômodo esse que todos sentem e
que transforma cada habitante em inimigo: e são inimigos que podem
causar dano ao conquistador, pois, vencidos, ficam em sua própria
casa. Sob qualquer ponto de vista essa guarda armada é inútil, ao
passo que a criação de colônias é útil.


Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província diferente,
como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando
de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí
penetre um forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja
chamado por aqueles que na província se sintam descontentes, seja por
excessiva ambição, seja por medo, como viu-se terem os etólios
introduzido na Grécia os romanos que, aliás, em todas as outras
províncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados pelos respectivos
habitantes. E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro
poderoso penetre numa província, todos aqueles que nela são mais
fracos a ele dêem adesão, movidos pela inveja contra quem se tornou
poderoso sobre eles; tanto assim é que em relação a estes não se torna
necessário grande trabalho para obter seu apoio, pois logo todos eles,
voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado. Apenas
deve haver o cuidado de não permitir adquiram eles muito poder e muita
autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas forças e com
o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para
tornar-se senhor absoluto daquela província. E quem não encaminhar
satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a sua conquista e, enquanto
puder conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.


Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam, observaram bem
estes pontos: fundaram colônias, conquistaram a amizade dos menos
prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não
deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero
tomar como exemplo apenas a província da Grécia. Os aqueus e os
etólios tornaram-se amigos dos romanos; foi abatido o reino dos
macedônios e daí foi expulso Antíoco; mas nem os méritos dos aqueus e
dos etólios lhes asseguraram permissão para conquistar algum Estado,
nem a persuasão de Felipe logrou fazer com que os romanos se tornassem
seus amigos e não o diminuíssem, nem o poder de Antíoco conseguiu
fazer com que os mesmos o autorizassem a manter seu domínio naquela
província. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos
aquilo que todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e
ter cuidado com as desordens presentes, como também com as futuras,
evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente
se lhes pode opor corretivo; mas, esperando que se avizinhem, o
remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou incurável.
Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no
princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer
do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se
fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos
do Estado porque, conhecendo com antecedência os males que o atingem
(o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas
quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a
se tornarem do conhecimento de todos, não mais existe remédio.


Contudo, os romanos, prevendo as perturbações, sempre as tolheram e
jamais, para fugir à guerra, permitiram que as mesmas seguissem seu
curso, pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia em
benefício dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra
Felipe e Antíoco na Grécia, para evitar terem de fazê-la na Itália e,
no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem.
Nem em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias está nos
lábios dos entendidos de nosso tempo, o desejo de gozar do benefício
da contemporização, mas sim apenas aquilo que resultava de sua própria
virtude e prudência: na verdade o tempo lança à frente todas as coisas
e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.


Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das coisas que
expomos, falando eu de Luís e não de Carlos porque foi daquele que,
por ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram os
progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para
conservar um Estado numa província diferente.


O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos venezianos que, por
tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, Não desejo censurar o
partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na
Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário,
fechadas todas as portas em razão do comportamento do Rei Carlos, foi
obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-
ia resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos não
tivesse cometido erro algum. Conquistada, pois, a Lombardia, o rei
readquiriu prontamente aquela reputação que Carlos perdera: Gênova
cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o marquês de Mantua, o
duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o senhor de Faenza,
de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os
Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se
seus amigos. Os venezianos puderam considerar então a temeridade da
resolução que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de
terra na Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da
Itália.


Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter a sua
reputação na Itália se, observadas as normas já referidas, tivesse
conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por
serem em grande número, fracos e medrosos uns em relação à Igreja os
outros face aos venezianos, precisavam sempre estar com ele; por meio
deles poderia, facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se
conservavam fortes.


Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando auxilio ao
papa Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com essa
deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles
que se lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja
acrescentando ao poder espiritual, que lhe dá tanta autoridade,
tamanha força temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a
seguir praticando outros até que, para pôr fim à ambição de Alexandre
e evitar que este se tornasse senhor da Toscana, teve de vir
pessoalmente à Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e
perder os amigos; por querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei
da Espanha; sendo primeiro o árbitro da Itália, aí colocou um
companheiro para que os ambiciosos daquela província e os descontentes
com ele mesmo tivessem onde recorrer e, em vez de deixar naquele reino
um soberano a ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um
outro que pudesse expulsá-lo dali.


É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando
os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo menos, não serão
censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de
qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura. Se
a França, pois, podia assaltar Nápoles com suas forças, devia fazê-lo;
se não podia, não devia dividir esse reino. E se a divisão que fez com
os venezianas sobre a Lombardia mereceu desculpa por ter com ela
firmado pé na Itália, aquela merece censura em razão de não ser
justificada por essa necessidade.


Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os menos
fortes; aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um
estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou
colônias.


Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele
fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os
territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande
a Igreja nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e
necessário enfraquecê-los; mas, tomados que foram aqueles partidos,
nunca deveriam consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos,
teriam sempre mantido aquelas à distância da Lombardia, e isso porque
os venezianos jamais iriam consentir em qualquer manobra contra esse
Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma que
os outros não iriam querer tomá-lo à França para dá-lo aos venezianos,
ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar em luta com estes
e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a Romanha a
Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra - respondo com
as razões já anteriormente expostas de que - nunca se deve deixar
prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não
se foge mas apenas se adia para desvantagem própria. E se alguns
outros alegassem a palavra que o rei havia dado ao Papa, qual a de
realizar para ele aquela conquista em troca da dissolução de seu
casamento e do chapéu cardinalício para o arcebispo de Ruão - respondo
com o que mais adiante se dirá acerca da palavra dos príncipes e de
como se a deve respeitar.


Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos
princípios observados por outros que dominaram províncias e quiseram
conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum e
razoável. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando
Valentino, assim popularmente chamado César Bórgia, filho do Papa
Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruão que
os italianos não entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses
não entendiam do Estado, pois que, se de tal compreendessem, não
teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E por
experiência viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi
causada pela França, e a ruína desta foi acarretada por aquelas.


Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é
causa do poderio de alguém arruina-se, por que esse poder resulta ou
da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou
poderoso.

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV
POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NÃO SE REBELOU CONTRA
SEUS SUCESSORES APÓS A MORTE DESTE
(CUR DARII REGNUM QUOD ALEXANDER OCCUPAVERAT A SUCCESSORIBUS SUIS POST
ALEXANDRI MORTEM NON DEFECIT)


Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a
conservação de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo
ante o fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos,
não apenas havia terminado sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer
e, a despeito de parecer razoável que todo aquele Estado devesse
rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto não encontraram
outra dificuldade senão aquela que, por ambição pessoal, nasceu entre
eles mesmos. - Argumento: os principados de que se conserva memória,
têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo
todos os demais servos que, como ministros por graça e concessão sua,
ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais,
não por graça do senhor mas por antigüidade de sangue, têm aquele grau
de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os
reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados
que são governados por um príncipe e servos, têm aquele com maior
autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém
reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos obedecem a algum
outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe
dedicando o menor amor.


Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos tempos, o
Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um
senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks,
para aí manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com
sua própria vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão
de antigos senhores que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus
súditos e por eles amados: têm as suas preeminências e não pode o rei
privá-los das mesmas sem perigo para si próprio. Quem tiver em mira,
pois, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para
conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrará
grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em
todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas
grande dificuldade para mantê-lo.


As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de não
poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar,
com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua
empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos
escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando
fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem
eles capazes de arrastar o povo atrás de si, pelos motivos já
mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve pensar que
irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias
forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma
vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os
exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do
príncipe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser
temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como
o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não
deve receá-lo.


O contrário ocorre nos reinos como o de França, por que com facilidade
podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que
sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovações.
Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e
facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta
atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram,
seja com os que oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do
príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das
novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los,
perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.


Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o
encontrará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessário
primeiro encurralá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que,
depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro
para Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se
tivessem sido unidos, poderiam tê-lo gozado tranqüilamente, pois ali
não surgiram outros tumultos que não os por eles próprios provocados.
Mas quanto aos Estados organizados como o da França, é impossível
possuí-los com tanta tranqüilidade. Dessa circunstância é que nasceram
as freqüentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os
romanos; em decorrência do grande número de principados que havia
naqueles Estados e por todo o tempo em que perdurou a sua memória, os
romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta a
lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua
autoridade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles,
também, combatendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada facção,
para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade que
havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir
o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam senão a soberania
dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se
maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o
Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros
para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não
resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da
diversidade de forma do objeto da conquista

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO V

CAPÍTULO V
DE QUE MODO SE DEVAM GOVERNAR AS CIDADES OU PRINCIPADOS QUE, ANTES DE
SEREM OCUPADOS, VIVIAM COM AS SUAS PRÓPRIAS LEIS
(QUOMODO ADMINISTRANDAE SUNT CIVITATES VEL PRINCIPATUS, QUI ANTEQUAM
OCCUPARENTUR, SUIS LEGIBUS VIVEBANT)


Quando aqueles Estados que se conquistam, como foi dito, estão
habituados a viver com suas próprias leis e em liberdade, existem três
modos de conservá-los: o primeiro, arruiná-los; o outro, ir habitá-los
pessoalmente; o terceiro, deixá-los viver com suas leis, arrecadando
um tributo e criando em seu interior um governo de poucos, que se
conservam amigos, porque, sendo esse governo criado por aquele
príncipe, sabe que não pode permanecer sem sua amizade e seu poder, e
há que fazer tudo por conservá-los. Querendo preservar uma cidade
habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer outro modo
se a conserva por intermédio de seus cidadãos.


Como exemplos, existem os espartanos e os romanos. Os espartanos
conservaram Atenas e Tebas, nelas criando um governo de poucos;
todavia, perderam-nas. Os romanos, para manterem Cápua, Cartago e
Numância, destruíram-nas e não as perderam; quiseram conservar a
Grécia quase como o fizeram os espartanos, tornando-a livre e deixando-
lhe suas próprias leis e não o conseguiram: em razão disso, para
conservá-la, foram obrigados a destruir muitas cidades daquela
província.


É que, em verdade, não existe modo seguro para conservar tais
conquistas, senão a destruição. E quem se torne senhor de uma cidade
acostumada a viver livre e não a destrua, espere ser destruído por
ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o
nome da liberdade e o de suas antigas instituições, jamais esquecidas
seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos. Por quanto
se faça e se proveja, se não se dissolvem ou desagregam os habitantes,
eles não esquecem aquele nome nem aquelas instituições, e logo, a cada
incidente, a eles recorrem como fez Pisa cem anos após estar submetida
aos florentinos.


Mas quando as cidades ou as províncias estão acostumadas a viver sob
um príncipe, extinta a dinastia, sendo de um lado afeitas a obedecer e
de outro não tendo o príncipe antigo, dificilmente chegam a acordo
para escolha de um outro príncipe, não sabem, enfim, viver em
liberdade: dessa forma, são mais lerdas para tomar das armas e, com
maior facilidade, pode um príncipe vencê-las e delas apoderar-se.
Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de
vingança; não deixam nem podem deixar esmaecer a lembrança da antiga
liberdade: assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou habitá-las
pessoalmente.

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VI
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS PRÓPRIAS E
VIRTUOSAMENTE
(DE PRINCIPATIBUS NOVIS QUI ARMIS PROPRIIS ET VIRTUTE ACQUIRUNTUR)


Não se admire alguém se, na exposição que irei fazer a respeito dos
principados completamente novos de príncipe e de Estado, apontar
exemplos de grandes personagens; por que, palmilhando os homens, quase
sempre, as estradas batidas pelos outros, procedendo nas suas ações
por imitações, não sendo possível seguir fielmente as trilhas alheias
nem alcançar a virtude do que se imita, deve um homem prudente seguir
sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar
aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo possível chegar
à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum proveito; deve
fazer como os arqueiros hábeis que, considerando muito distante o
ponto que desejam atingir e sabendo até onde vai a capacidade de seu
arco, fazem mira bem mais alto que o local visado, não para alcançar
com sua flecha tanta altura, mas para poder com o auxílio de tão
elevada mira atingir o seu alvo.


Digo, pois, que no principado completamente novo, onde exista um novo
príncipe, encontra-se menor ou maior dificuldade para mantê-lo,
segundo seja mais ou menos virtuoso quem o conquiste. E porque o
elevar-se de particular a príncipe pressupõe ou virtude ou boa sorte,
parece que uma ou outra dessas duas razões mitigue em parte muitas
dificuldades; não obstante, tem-se observado, aquele que menos se
apoiou na sorte reteve o poder mais seguramente. Gera ainda facilidade
o fato de, por não possuir outros Estados, ser o príncipe obrigado a
vir habitá-lo pessoalmente.


Para reportar-me àqueles que pela sua própria virtude e não pela sorte
se tornarem príncipes, digo que os maiores são Moisés, Ciro, Rômulo,
Teseu e outros tais. Se bem que de Moisés não se deva cogitar por ter
sido ele mero executor daquilo que lhe era ordenado por Deus, contudo
deve ser admirado somente por aquela graça que o tornava digno de
conversar com o Senhor. Mas consideremos Ciro e os outros que
conquistaram ou fundaram reinos: achareis a todos admiráveis. E se
forem consideradas suas ações e ordens particulares, estas parecerão
não discrepantes daquelas de Moisés que teve tão grande preceptor. E,
examinando as ações e a vida dos mesmos, não se vê que eles tivessem
algo de sorte senão a ocasião, que lhes forneceu meios para poder
adaptar as coisas da forma que melhor lhes aprouve; e, sem aquela
oportunidade, o seu valor pessoal ter-se-ia apagado e sem essa virtude
a ocasião teria surgido em vão.


Era necessário, pois, a Moisés, encontrar o povo de Israel no Egito,
escravizado e oprimido pelos egípcios, a fim de que aquele, para
libertar-se da escravidão, se dispusesse a segui-lo. Convinha que
Rômulo não pudesse ser mantido em Alba, fosse exposto ao nascer, para
que se tornasse rei de Roma e fundador daquela pátria. Era preciso que
Ciro encontrasse os persas descontentes do império dos medas, e estes
estivessem amolecidos e efeminados pela prolongada paz. Não poderia
Teseu demonstrar sua virtude se não encontrasse os atenienses
dispersos. Essas oportunidades por tanto, fizeram esses homens
felizes, e sua excelente capacidade fez com que aquela ocasião fosse
conhecida de cada um: em conseqüência, sua pátria foi nobilitada e
tornou-se felicíssima.


Os que, por suas virtudes, semelhantes às que aqueles tiveram, tornam-
se príncipes, conquistam o principado com dificuldade, mas com
facilidade o conservam; e os obstáculos que se lhes apresentam no
conquistar o principado, em parte nascem das novas disposições e
sistemas de governo que são forçados a introduzir para fundar o seu
Estado e estabelecer a sua segurança. Deve-se considerar não haver
coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem
mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas
ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que
obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos
defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam. Esta fraqueza
nasce, parte por medo dos adversários que ainda têm as leis conformes
a seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em
verdade, não crêem nas inovações se não as vêem resultar de uma firme
experiência. Donde decorre que a qualquer momento em que os inimigos
tenham oportunidade de atacar, o fazem com calor de sectários,
enquanto os outros defendem fracamente, de forma que ao lado deles se
corre sério perigo.


É necessário, pois, querendo bem expor esta parte, examinar se esses
inovadores se baseiam sobre forças suas próprias ou se dependem de
outros, isto é, se para levar avante sua obra é preciso que roguem, ou
se em realidade podem forçar. No primeiro caso, sempre acabam mal e
não realizam coisa alguma; mas, quando dependem de si mesmos e podem
forçar, então é que raras vezes perigam. Daí resulta que todos os
profetas armados venceram e os desarmados fracassaram. Porque, além
dos fatos apontados, a natureza dos povos é vária, sendo fácil
persuadi-los de urna coisa, mas difícil firmá-los nessa persuasão.
Convém, assim, estar preparado para que, quando não acreditarem mais,
se possa fazê-los crer pela força.


Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam conseguido fazer observar por
longo tempo as suas constituições se tivessem estado desarmados; como
ocorreu nos nossos tempos a Frei Girolamo Savonarola que fracassou nas
suas reformas quando a multidão começou a nele não mais acreditar, e
ele não dispunha de meios para manter firmes aqueles que haviam crido,
nem para fazer com que os descrentes passassem a crer. Por isso, têm
grandes dificuldades no conduzir-se e todos os perigos estão no seu
caminho, convindo que os superem com o valor pessoal; mas superado que
os tenham, quando começam a ser venerados, extintos aqueles que tinham
inveja de sua condição, ficam poderosos, seguros, honrados, felizes.


A tão altos exemplos, quero acrescentar um menor, mas que bem terá
alguma relação com aqueles e que julgo suficiente para todos os outros
semelhantes: é Hierão de Siracusa. Este, de particular, tornou-se
príncipe de Siracusa; também ele, da sorte somente conheceu a ocasião
porque, sendo os siracusanos oprimidos, o elegeram para seu capitão,
donde mereceu ser feito príncipe. E foi de tanta virtude, mesmo na
vida privada, que quem escreveu a seu respeito, disse:quod nihil illi
deerat ad regnandum praeter regnum.


Extinguiu a velha milícia, organizou a nova, abandonou as antigas
amizades, conquistou novas; e, como teve amizades e soldados seus,
pode, sobre tais fundamentos, erigir as obras que desejou: tanto que
custou-lhe muita fadiga para conquistar e pouca para manter

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS E FORTUNA DOS
OUTROS
(DE PRINCIPATIBUS NOVIS QUI ALIENIS ARMIS ET FORTUNA ACQUIRUNTUR)


Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em príncipes,
com pouca fadiga assim se transformam, mas só com muito esforço assim
se mantêm: não encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque
atingem o posto a vôo; mas toda sorte de dificuldades nasce depois que
aí estão. São aqueles aos quais é concedido um Estado, seja por
dinheiro, seja por graça do concedente: como ocorreu a muitos na
Grécia, nas cidades da Jônia e do Helesponto, onde foram feitos
príncipes por Dario, a fim de que as conservassem para sua segurança e
glória; como eram feitos, ainda, aqueles imperadores que, por
corrupção dos soldados, de privados alcançavam o domínio do Império.


Estes estão simplesmente submetidos à vontade e à fortuna de quem lhes
concedeu o Estado, que são duas coisas grandemente volúveis e
instáveis: e não sabem e não podem manter a sua posição. Não sabem,
porque, se não são homens de grande engenho e virtude, não é razoável
que, tendo vivido sempre em ambiente privado, saibam comandar; não
podem, porque não têm forças que lhes possam ser amigas e fiéis.
Ainda, os Estados que surgem rapidamente, como todas as demais coisas
da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter raízes e
estruturação perfeitas, de forma que a primeira adversidade os
extingue; salvo se aqueles que, como foi dito, assim repentinamente se
tornaram príncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo
preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes pôs no regaço,
formando posteriormente as bases que os outros estabeleceram antes de
se tornar príncipes.


Destes dois citados modos de vir a ser príncipe, por virtude ou por
fortuna, quero apontar dois exemplos ocorridos nos dias de nossa
memória: estes são Francisco Sforza e César Bórgia. Francisco, pelos
meios devidos e com grande virtude, de privado tornou-se duque de
Milão; e aquilo que com mil esforços tinha conquistado, com pouco
trabalho manteve. Por outro lado, César Bórgia, pelo povo chamado
Duque Valentino, adquiriu o Estado com a fortuna do pai e, juntamente
com aquela, o perdeu; isso não obstante fossem por ele utilizados
todos os meios e feito tudo aquilo que devia ser efetivado por um
homem prudente e virtuoso, para lançar raízes naqueles Estados que as
armas e a fortuna de outrem lhe tinham concedido. Porque, como se
disse acima, quem não lança os alicerces primeiro, com uma grande
virtude poderá estabelecê-los depois, ainda que se façam com
aborrecimentos para o construtor e perigo para o edifício. Se, pois,
se considerarem todos os progressos do duque, ver-se-á ter ele
estabelecido grandes alicerces para o futuro poderio, os quais não
julgo supérfluo descrever, pois não saberia que melhores preceitos do
que o exemplo de suas ações poderia indicar a um príncipe novo; e se
as suas disposições não lhe aproveitaram, não foi por culpa sua, mas
sim em resultado de uma extraordinária e extrema má sorte.


Tinha Alexandre VI, ao querer tornar grande o duque seu filho, muitas
dificuldades presentes e futuras. Primeiro, não via meio de poder fazê-
lo senhor de algum Estado que não fosse Estado da Igreja; voltando-se
para tomar um destes, sabia que o duque de Milão e os venezianos não
lho permitiriam, porque Faenza e Rimini estavam já sob a proteção dos
venezianos. Via além disto as armas da Itália, e em especial aquelas
de que poderia servir-se, encontrarem-se nas mãos daqueles que deviam
temer a grandeza do Papa; não podia fiar-se, assim, pertencendo todas
elas aos Orsíni e Colonna e seus partidários. Era, pois, necessário
que se perturbasse aquela organização dos Estados italianos e fossem
desarticulados os pertencentes àqueles, para poder assenhorear-se
seguramente de parte dos mesmos. Isso foi-lhe fácil, eis que encontrou
os venezianos que, levados por outras causas, tinham se posto a fazer
com que os franceses retornassem à Itália, ao que não somente não se
opôs, como também tornou mais fácil com a dissolução do primeiro
matrimônio do Rei Luís. Passou, portanto, o rei à Itália com a ajuda
dos venezianos e consentimento de Alexandre: nem bem era chegado a
Milão, já o Papa dele obteve tropas para a conquista da Romanha, a
qual tornou-se possível em razão da reputação do rei. Tendo ocupado a
Romanha e batido os partidários dos Colonna, o duque, querendo manter
a conquista e avançar mais à frente, tinha duas coisas que tal lhe
impediam: uma, as suas tropas que não lhe pareciam fiéis, a outra, a
vontade da França; isto é, temia o duque que lhe falhassem as tropas
dos Orsíni, das quais se valera, não só impedindo-o de conquistar,
como também tomando-lhe o conquistado, bem como receava que o rei não
deixasse de fazer-lhe o mesmo. Dos Orsíni teve prova quando, depois da
tomada de Faenza, assaltando Bolonha, os viu irem friamente a esse
assalto; acerca do rei, conheceu sua disposição quando, tomado o
ducado de Urbino, atacou a Toscana; o rei fê-lo desistir dessa
campanha. Em conseqüência de tal, o duque deliberou não mais depender
das armas e fortuna dos outros. Inicialmente, enfraqueceu as facções
dos Orsíni e dos Colonna em Roma; para tanto, atraiu para junto de si
todos os adeptos dos mesmos, que fossem gentis-homens, fazendo-os seus
gentis-homens, dando-lhes grandes estipêndios e os honrando. Segundo
suas qualidades, com comandos e governos; de forma que, em poucos
meses, a afeição que mantinham pelas facções foi extinta e voltou-se
toda ela para o duque. Depois, esperou a ocasião de eliminar os
Orsíni, dispersos que já estavam os da casa Colonna, ocasião que lhe
surgiu bem e que ele melhor aproveitou; porque, tendo percebido os
Orsíni, tarde porém, que a grandeza do duque e da Igreja era a sua
ruína, organizaram uma conferência em Magione, no Perugino. Dessa
reunião nasceram a rebelião de Urbino, os tumultos da Romanha e
infinitos perigos para o duque, o qual a todos superou com o auxílio
dos franceses.


E, readquirida a reputação, não confiando na França nem nas outras
tropas estrangeiras, para não as ter fortalecidas, socorreu-se da
astúcia. E tão bem soube dissimular seus sentimentos, que os Orsíni,
por intermédio do Senhor Paulo, reconciliaram-se com ele: para
assegurar-se melhor deste intermediário, o duque não deixou de
dispensar-lhe cortesia de toda natureza, dando-lhe dinheiro, roupas e
cavalos; tanto assim que a simplicidade dos Orsíni levou-os a
Sinigalia, às mãos do duque. Eliminados, pois, estes chefes,
transformados os partidários dos mesmos em amigos seus, tinha o duque
lançado muito boas bases para o seu poderio, possuindo toda a Romanha
com o ducado de Urbino, parecendo-lhe, ainda, ter tornado amiga a
Romanha e ganho para si todas aquelas populações que começavam a
experimentar o seu bem-estar.


E, porque esta parte é digna de ser conhecida e imitada pelos outros,
não desejo omiti-la. Tomada que foi a Romanha, encontrando-a dirigida
por senhores impotentes, os quais mais depressa haviam espoliado os
seus súditos do que os tinham governado, dando-lhes motivo de desunião
ao invés de união, tanto que aquela província era toda ela cheia de
latrocínios, de brigas e de tantas outras causas de insolência, o
duque julgou necessário, para torná-la pacífica e obediente ao poder
real, dar-lhe bom governo. Por isso, aí colocou Ramiro de Orco, homem
cruel e solícito, ao qual deu os mais amplos poderes. Este, em pouco
tempo, tornou-a pacífica e unida, com mui grande reputação. Depois,
entendeu o duque não ser necessária tão excessiva autoridade, e isso
porque não duvidava pudesse vir a mesma a tornar-se odiosa; instalou
um juízo civil no centro da província, com um presidente
excelentíssimo, onde cada cidade tinha o seu advogado. E porque sabia
que os rigorismos passados tinham dado origem a algum ódio, para
limpar os espíritos daquelas populações e conquistá-los completamente,
quis mostrar que, se alguma crueldade havia ocorrido, não nascera
dele, mas sim da triste e cruel natureza do ministro. E, servindo-se
da oportunidade, fez colocarem-no uma manhã, na praça pública de
Casena, cortado em dois pedaços, com um pau e uma faca ensangüentada
ao lado. A ferocidade desse espetáculo fez com que a população ficasse
ao mesmo tempo satisfeita e pasmada.


Mas voltemos ao ponto de partida. Digo que, encontrando-se o duque
bastante forte e relativamente garantido contra os perigos presentes,
por ter-se armado a seu modo e ter em boa parte dissolvido aquelas
tropas que, próximas, poderiam molestá-lo, restava-lhe, querendo
prosseguir com as conquistas, o temor ao rei de França, porque sabia
como tal proceder não seria suportado pelo mesmo que, tarde, havia se
apercebido de seu erro. Começou, por isso, a procurar novas amizades e
a tergiversar com a França na incursão que os franceses fizeram no
reino de Nápoles, contra os espanhóis que assediavam Gaeta. A sua
intenção era garantir-se contra eles, o que ter-lhe-ia surtido pronto
efeito se Alexandre tivesse continuado vivo.


Esta foi a sua política quanto às coisas presentes.


Mas, quanto às futuras, ele tinha a temer, inicialmente, que um novo
sucessor ao governo da Igreja não fosse seu amigo e procurasse tomar-
lhe aquilo que Alexandre lhe dera; e pensou proceder por quatro modos:
primeiro, extinguir as famílias daqueles senhores que ele tinha
espoliado, para tolher ao Papa aquela oportunidade; segundo,
conquistar todos os gentis-homens de Roma, como foi dito, para poder
com eles manter o Papa tolhido; terceiro, tornar o Colégio mais seu o
quanto possível; quarto, conquistar tanto poder antes que o pai
morresse, que pudesse por si mesmo resistir a um primeiro impacto.
Destas quatro coisas, à morte de Alexandre ele havia realizado três,
estando a quarta quase terminada: porque dos senhores despojados ele
matou quantos pode alcançar e pouquíssimos se salvaram; tinha
conseguido o apoio dos gentis-homens romanos e no Colégio possuía mui
grande parte; e, quanto à nova conquista, resolvera tornar-se senhor
da Toscana, possuía já Perúgia e Piombino e havia tomado a proteção de
Pisa.


Como não mais precisasse ter respeito à França (que o desmerecera por
estarem já os franceses despojados do Reino pelos espanhóis, de forma
que cada um deles necessitava comprar a sua amizade), saltaria sobre
Pisa. Depois disso, Lucca e Ciena cederiam prontamente, parte por
inveja dos florentinos, parte por medo; os florentinos não teriam
remédio: o que, se tivesse acontecido (deveria ocorrer no mesmo ano em
que Alexandre morreu), conferir-lhe-ia tantas forças e tanta reputação
que ele ter-se-ia mantido por si mesmo, não mais dependendo da fortuna
e das forças dos outros, mas sim de sua própria potência e virtude.
Mas Alexandre morreu cinco anos depois que ele começara a desembainhar
a espada. Deixou-o apenas com o Estado da Romanha consolidado, com
todos os outros no ar, em meio a dois fortíssimos exércitos inimigos e
doente de morte.


Havia no duque tanta bravura indômita e tanta virtude, conhecia tão
bem como se conquistam ou se perdem os homens e talmente sólidos eram
os alicerces que assim em tão pouco tempo havia lançado, que, se não
tivesse tido aqueles exércitos sobre si, ou se estivesse são, teria
vencido qualquer dificuldade. E que os seus alicerces fossem bons, viu-
se: por que a Romanha esperou-o mais de um mês; em Roma, ainda que
apenas meio vivo, esteve em segurança e, se bem os Baglioni, Vitelli e
Orsíni viessem a Roma, nada puderam fazer contra ele; se não pode
fazer papa quem queria, pelo menos evitou que o fosse quem ele não
queria. Mas, se por ocasião da morte de Alexandre ele tivesse estado
são, tudo lhe teria sido fácil. Disse-me ele, no dia em que foi eleito
Júlio que havia cogitado de tudo aquilo que podia acontecer morrendo o
pai e para tudo encontrara remédio, mas jamais havia pensado, além da
morte de seu pai, que ele mesmo, também, pudesse estar para morrer.


Relatadas, assim, todas as ações do duque, eu não saberia repreendê-
lo; antes penso que, como o fiz, deva ser proposto à imitação de todos
aqueles que por fortuna e com as armas dos outros subiram ao poder.
Porque, tendo grande ânimo e alta intenção, ele não podia portar-se de
outra for ma; aos seus desígnios, somente se opuseram a brevidade da
vida de Alexandre e a sua enfermidade, Quem, pois, julgar necessário,
no seu principado novo, assegurar-se contra os inimigos, adquirir
amigos, vencer ou pela força ou pela fraude, fazer-se amar e temer
pelo povo, seguir e reverenciar pelos soldados, eliminar aqueles que
podem ou têm razões para ofender, ordenar por novos modos as
instituições antigas, ser severo e grato, magnânimo e liberal,
extinguir a milícia infiel, criar uma nova, manter a amizade dos reis
e dos príncipes, de modo que beneficiem de boa vontade ou ofendam com
temor, não poderá encontrar exemplos mais recentes que as ações do
duque.


Somente se pode acusá-lo na criação de Júlio pontífice, onde má foi a
eleição; porque, como foi dito, não podendo fazer um papa de acordo
com seu desejo, ele podia impedir fosse feito quem não quisesse; e não
devia jamais consentir no papado daqueles cardeais que tivessem sido
por ele ofendidos, ou que, tornados papas, viessem a temê-lo. Na
verdade, os homens ofendem ou por medo ou por ódio. Os que ele
ofendera eram, entre outros, San Piero ad Vincula, Colonna, San
Giorgio, Ascânio; todos os outros, tornados papas, tinham por que temê-
lo, exceto o de Ruão e os espanhóis; estes, por afinidade e por
obrigações, aquele pelo poder e por ter ao seu lado o reino da França.
Conseqüentemente, o duque, antes de tudo, devia criar para um espanhol
e, não podendo, devia consentir que fosse eleito o cardeal de Ruão e
não o de San Piero ad Vincula. E quem acreditar que nas grandes
personagens os novos benefícios façam esquecer as velhas injúrias,
engana-se. Errou, pois, o duque nessa eleição, tornando-se ele mesmo a
causa de sua ruína final.

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO VIII
DOS QUE CHEGARAM AO PRINCIPADO POR MEIO DE CRIMES
(DE HIS QUI PER SCELERA AD PRINCIPATUM PERVENERE)


Mas, porque pode-se tornar príncipe ainda por dois modos que não podem
ser atribuídos totalmente à fortuna ou à virtude, não me parece
acertado pô-los de parte, ainda que de um deles se possa mais
amplamente cogitar em falando das repúblicas. Estes são, ou quando por
qualquer meio criminoso e nefário se ascende ao principado, ou quando
um cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de seus
concidadãos. E, falando do primeiro modo, apontarei dois exemplos, um
antigo e outro atual, sem entrar, contudo, no mérito desta parte, pois
penso seja suficiente, a quem de tal necessitar, apenas imitá-los.


Agátocles siciliano, não só de privada mas também de ínfima e abjeta
condição, tornou-se rei de Siracusa. Filho de um oleiro, teve sempre,
no decorrer de sua juventude, vida celerada; todavia, acompanhou seus
atos delituosos de tanto vigor de ânimo e de corpo que, tendo
ingressado na milícia, em razão de atos de maldade, chegou a ser
pretor de Siracusa. Uma vez investido nesse posto, tendo deliberado
tornar-se príncipe e manter pela violência e sem favor dos outros
aquilo que por acordo de todos lhe tinha sido concedido, depois de
acerca desse seu desejo ter estabelecido acordo com Amilcar
cartaginês, que se encontrava em ação com os seus exércitos na
Sicilia, reuniu certa manhã o povo e o senado de Siracusa como se
tivesse de deliberar sobre assuntos pertinentes à República e, a um
sinal combinado, fez que seus soldados matassem todos os senadores e
os mais ricos da cidade; mortos estes, ocupou e manteve o principado
daquela cidade sem qualquer controvérsia civil. E, se bem por duas
vezes os cartagineses tivessem com ele rompido e estabelecido assédio,
não só pode defender a sua cidade como ainda, tendo deixado parte de
sua gente na defesa contra o cerco, com o restante assaltou a África e
em breve tempo libertou Siracusa do sítio levando os cartagineses a
extrema dificuldade: tiveram de com ele estabelecer acordo e contentar-
se com as possessões da África, deixando a Sicília para Agátocles.


Quem considere, pois, as ações e a vida desse príncipe, não encontrará
coisa, ou pouca achará, que possa atribuir à fortuna: suas ações
resultaram, como acima se disse, não do favor de alguém mas de sua
ascensão na milícia, obtida com mil aborrecimentos e perigos, que lhe
permitiu alcançar o principado e, depois, mantê-lo com tantas decisões
corajosas e arriscadas. Não se pode, ainda, chamar virtude o matar os
seus concidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem
religião; tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.
Ademais, se se considerar a virtude de Agátocles no entrar e no sair
dos perigos e a grandeza de seu ânimo no suportar e superar as
adversidades, não se achará por que deva ser ele julgado inferior a
qualquer dos mais excelentes capitães; contudo, sua exacerbada
crueldade e desumanidade, com infinitas perversidades, não permitem
seja ele celebrado entre os homens mais ilustres. Não se pode, assim,
atribuir à fortuna ou à virtude aquilo que sem uma e outra foi por ele
conseguido.


Nos nossos tempos, reinando Alexandre VI, Oliverotto de Fermo, tendo
anos antes ficado órfão de pai, foi criado por um tio materno de nome
Giovanni Fogliani; nos primeiros anos de sua juventude, foi
encaminhado à vida militar sob o comando de Paulo Vitelli, a fim de
que, tomado daquela disciplina, atingisse algum excelente posto da
milícia. Morto Paulo, militou sob Vitellozzo, irmão daquele, e em
muito pouco tempo, por ser engenhoso, de físico e ânimo fortes, tornou-
se o primeiro homem de sua milícia. Mas, parecendo-lhe coisa servil o
estar sob as ordens de outrem, com a ajuda de alguns cidadãos de
Fermo, aos quais era mais cara a servidão que a liberdade de sua
pátria, e com o favor de Vitellozzo, pensou ocupar Fermo. E escreveu a
Giovanni Fogliani dizendo que, por ter estado muitos anos fora de
casa, desejava ir visitá-lo e à sua cidade e conhecer o seu
patrimônio; e, como não tinha trabalhado senão para conquistar honras,
para que seus concidadãos vissem como não tinha gasto o tempo em vão,
queria chegar com pompa e acompanhado de cem cavalos de amigos e
servidores seus; pedia-lhe, pois, se servisse ordenar fosse ele
recebido pelos cidadãos de Fermo com todas as honras, o que não
somente o dignificaria, mas também a Fogliani, dado haver sido seu
discípulo.


Não deixou Giovanni de despender esforços em favor de seu sobrinho:
tendo feito com que os moradores de Fermo o recebessem com honrarias,
alojou-o em suas casas. Aí, passados alguns dias e pronto para ordenar
secretamente aquilo que era necessário à sua futura perfídia,
Oliverotto promoveu soleníssimo banquete para o qual convidou Giovanni
Fogliani e todos os principais homens de Fermo. Consumadas que foram
as iguarias e após todos os demais entretenimentos usuais em
semelhantes ocasiões, Oliverotto, com habilidade, abordou certos
assuntos graves, falando da grandeza do Papa Alexandre, de seu filho
César e dos empreendimentos dos mesmos. Tendo Giovanni e os demais
respondido a tais considerações, ele, repentinamente, ergueu-se
dizendo ser aquilo assunto para falar-se em lugar mais secreto,
retirando-se para um cômodo onde Giovanni e todos os outros foram ter
com ele. Nem ainda tinham se assentado, de lugares ocultos saíram
soldados que mataram Giovanni e a todos os demais.


Depois desse homicídio, Oliverotto montou a cavalo, correu a cidade
acompanhado de seus homens e assediou em seu palácio o supremo
magistrado; em conseqüência, por medo, foram obrigados a obedecê-lo e
formar um governo do qual ele se fez príncipe. E, mortos todos aqueles
que, por descontentes, poderiam ofendê-lo, fortaleceu-se com novas
ordens civis e militares de forma que, no período de um ano em que
reteve o principado, não somente esteve forte na cidade de Fermo, como
também se tornou causa de pavor para todas as populações vizinhas.
Teria sido difícil a sua destruição, como difícil foi a de Agátocles,
se não tivesse sido enganado por César Bórgia quando este, em
Sinigalia, como já se disse, aprisionou os Orsíni e os Vitelli. Ai,
preso também ele, foi estrangulado juntamente com Vitellozzo, mestre
de suas virtudes e suas perfídias, um ano após haver cometido o
parricídio.


Poderia alguém ficar em dúvida sobre a razão por que Agátocles e algum
outro a ele semelhante, após tantas traições e crueldades, puderam
viver longamente, sem perigo, dentro de sua pátria e, ainda, defender-
se dos inimigos externos sem que os seus concidadãos contra eles
tivessem conspirado, tanto mais notando-se que muitos outros não
conseguiram manter o Estado, mediante a crueldade, nos tempos
pacíficos e, muito menos, nos duvidosos tempos de guerra. Penso que
isto resulte das crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-
se dizer serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem
instantaneamente pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se
insiste mas sim se as transforma no máximo possível de utilidade para
os súditos; mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com
o decorrer do tempo aumentam ao invés de se extinguirem. Aqueles que
observam o primeiro modo de agir, podem remediar sua situação com
apoio de Deus e dos homens, como ocorreu com Agátocles; aos outros
torna-se impossível a continuidade no poder.


Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador
exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-
as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e
poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios,
Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre
necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em
seus súditos, pois que estes nele também não podem ter confiança
diante das novas e contínuas injúrias. Portanto, as ofensas devem ser
feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam
menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para
que sejam melhor apreciados. Acima de tudo, um príncipe deve viver com
seus súditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar:
porque, surgindo pelos tempos adversos a necessidade, não estarás em
tempo de fazer o mal, e o bem que tu fizeres não te será útil eis que,
julgado forçado, não trará gratidão.

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO IX

CAPÍTULO IX
DO PRINCIPADO CIVIL
(DE PRINCIPATU CIVILI)


Mas passando a outra parte, quando um cidadão privado, não por
perfídia ou outra intolerável violência, porém com o favor de seus
concidadãos, torna-se príncipe de sua pátria, o que se pode chamar
principado civil (para tal se tornar, não é necessária muita virtude
ou muita fortuna, mas antes uma astúcia afortunada) digo que se
ascende a esse principado ou com o favor do povo ou com aquele dos
grandes. Porque em toda cidade se encontram estas duas tendências
diversas e isso resulta do fato de que o povo não quer ser mandado nem
oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o povo: é
destes dois anseios diversos que nasce nas cidades um dos três
efeitos: ou principado, ou liberdade, ou desordem.


O principado é constituído ou pelo povo ou pelos grandes, conforme uma
ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes não lhes
ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um
dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar
expansão ao seu apetite; o povo, também, vendo não poder resistir aos
poderosos, volta a estima a um cidadão e o faz príncipe para estar
defendido com a autoridade do mesmo. O que chega ao principado com a
ajuda dos grandes se mantém com mais dificuldade daquele que ascende
ao posto com o apoio do povo, pois se encontra príncipe com muitos ao
redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem governar
nem manobrar como entender.


Mas aquele que chega ao principado com o favor popular, aí se encontra
só e ao seu derredor não tem ninguém ou são pouquíssimos que não
estejam preparados para obedecer. Além disso, sem injúria aos outros,
não se pode honestamente satisfazer os grandes, mas sim pode-se fazer
bem ao povo, eis que o objetivo deste é mais honesto daquele dos
poderosos, querendo estes oprimir enquanto aquele apenas quer não ser
oprimido. Contra a inimizade do povo um príncipe jamais pode estar
garantido, por serem muitos; dos grandes, porém, pode se assegurar
porque são poucos. O pior que pode um príncipe esperar do povo hostil
é ser por ele abandonado; mas dos poderosos inimigos não só deve temer
ser abandonado, como também deve recear que os mesmos se lhe voltem
contra, pois que, havendo neles mais visão e maior astúcia, contam
sempre com tempo para salvar-se e procuram adquirir prestígio junto
àquele que esperam venha a vencer. Ainda, o príncipe tem de viver,
necessariamente, sempre com o mesmo povo, ao passo que pode bem viver
sem aqueles mesmos poderosos, uma vez que pode fazer e desfazer a cada
dia esse seu poderio, dando-lhes ou tirando-lhes reputação, a seu
alvedrio.


E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os grandes devem ser
considerados em dois grupos principais: ou procedem por forma a se
obrigarem totalmente à tua fortuna, ou não. Os que se obrigam e não
são rapaces, devem ser considerados e amados. Os que não se obrigam
devem ser encarados de dois modos: se fazem isso por pusilanimidade ou
por natural defeito de espírito, deverás servir-te deles, máxime que
são bons conselheiros, porque na prosperidade isso te honrará e na
adversidade não precisarás temê-los. Mas quando eles, ardilosamente,
não se obrigam por ambição, é sinal que pensam mais em si próprios do
que em ti: desses deve o príncipe guardar-se temendo-os como se fossem
inimigos declarados, porque sempre, na adversidade, ajudarão a arruiná-
lo.


Deve, pois, alguém que se torne príncipe mediante o favor do povo,
conservá-lo amigo, o que se lhe torna fácil, uma vez que não pede ele
senão não ser oprimido. Mas quem se torne príncipe pelo favor dos
grandes, contra o povo, deve antes de mais nada procurar ganhar este
para si, o que se lhe torna fácil quando assume a proteção do mesmo.
E, por que os homens, quando recebem o bem de quem esperavam somente o
mal, se obrigam mais ao seu benfeitor, torna-se o povo desde logo mais
seu amigo do que se tivesse sido por ele levado ao principado. O
príncipe pode ganhar o povo por muitas maneiras que, por variarem de
acordo com as circunstâncias, delas não se pode estabelecer regra
certa, razão pela qual das mesmas não cogitaremos.


Concluirei apenas que a um príncipe é necessário ter o povo como
amigo, pois, de outro modo, não terá possibilidades na adversidade.
Nabis, príncipe dos espartanos, suportou o assédio de toda a Grécia e
de um exército romano coberto de vitórias, contra eles defendendo sua
pátria e seu Estado; bastou-lhe apenas, sobrevindo o perigo, garantir-
se contra poucos, o que não seria suficiente se tivesse o povo como
inimigo. E não surja alguém para refutar esta minha opinião com aquele
provérbio bastante conhecido de que, quem se apoia no povo firma-se na
lama, porque o mesmo é verdadeiro somente quando um cidadão privado
estabelece bases sobre o povo e imagina que o mesmo vá libertá-lo
quando oprimido pelos inimigos ou pelos magistrados; neste caso seria
possível sentir-se freqüentemente enganado, como os Gracos em Roma e
Messer Giórgio Scali em Florença. Mas sendo um príncipe quem se apoie
no povo, que possa mandar e seja um homem de coragem, que não esmoreça
nas adversidades, não careça de armas e mantenha com seu valor e suas
determinações alentado o povo todo, jamais se sentirá por ele enganado
e constatará ter estabelecido bons fundamentos.


Amiúde esses principados periclitam quando estão para passar da ordem
civil para um governo absoluto, porque esses príncipes ou governam por
si mesmos ou por intermédio dos magistrados. Neste último caso a
situação dos mesmos é mais fraca e perigosa, porque dependem
completamente da vontade dos cidadãos prepostos à magistratura, os
quais, principalmente nos tempos adversos, podem tomar-lhes o Estado
com grande facilidade, ou contrariando suas ordens ou não lhes
prestando obediência. E o príncipe não pode, nas ocasiões de perigo,
assumir em tempo a autoridade absoluta, porque os cidadãos e os
súditos, acostumados a receber as ordens dos magistrados, não estão,
naquelas conjunturas, para obedecer às suas determinações, havendo
sempre, ainda, nos tempos duvidosos, carência de pessoas nas quais ele
possa confiar. Tal príncipe não pode fundar-se naquilo que observa nas
épocas de paz, quando os cidadãos precisam do Estado, porque então
todos correm, todos prometem e cada um quer morrer por ele enquanto a
morte está longe; mas na adversidade, no momento em que o Estado tem
necessidade dos cidadãos, então poucos são encontrados. E tanto mais é
perigosa esta experiência, quanto não se a pode fazer senão uma vez.
Contudo, um príncipe hábil deve pensar na maneira pela qual possa
fazer com que os seus cidadãos sempre e em qualquer circunstância
tenham necessidade do Estado e dele mesmo, e estes, então, sempre lhe
serão fiéis.