sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV
POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NÃO SE REBELOU CONTRA
SEUS SUCESSORES APÓS A MORTE DESTE
(CUR DARII REGNUM QUOD ALEXANDER OCCUPAVERAT A SUCCESSORIBUS SUIS POST
ALEXANDRI MORTEM NON DEFECIT)


Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a
conservação de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo
ante o fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos,
não apenas havia terminado sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer
e, a despeito de parecer razoável que todo aquele Estado devesse
rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto não encontraram
outra dificuldade senão aquela que, por ambição pessoal, nasceu entre
eles mesmos. - Argumento: os principados de que se conserva memória,
têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo
todos os demais servos que, como ministros por graça e concessão sua,
ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais,
não por graça do senhor mas por antigüidade de sangue, têm aquele grau
de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os
reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados
que são governados por um príncipe e servos, têm aquele com maior
autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém
reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos obedecem a algum
outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe
dedicando o menor amor.


Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos tempos, o
Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um
senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks,
para aí manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com
sua própria vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão
de antigos senhores que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus
súditos e por eles amados: têm as suas preeminências e não pode o rei
privá-los das mesmas sem perigo para si próprio. Quem tiver em mira,
pois, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para
conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrará
grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em
todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas
grande dificuldade para mantê-lo.


As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de não
poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar,
com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua
empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos
escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando
fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem
eles capazes de arrastar o povo atrás de si, pelos motivos já
mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve pensar que
irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias
forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma
vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os
exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do
príncipe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser
temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como
o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não
deve receá-lo.


O contrário ocorre nos reinos como o de França, por que com facilidade
podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que
sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovações.
Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e
facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta
atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram,
seja com os que oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do
príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das
novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los,
perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.


Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o
encontrará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessário
primeiro encurralá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que,
depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro
para Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se
tivessem sido unidos, poderiam tê-lo gozado tranqüilamente, pois ali
não surgiram outros tumultos que não os por eles próprios provocados.
Mas quanto aos Estados organizados como o da França, é impossível
possuí-los com tanta tranqüilidade. Dessa circunstância é que nasceram
as freqüentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os
romanos; em decorrência do grande número de principados que havia
naqueles Estados e por todo o tempo em que perdurou a sua memória, os
romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta a
lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua
autoridade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles,
também, combatendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada facção,
para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade que
havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir
o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam senão a soberania
dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se
maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o
Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros
para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não
resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da
diversidade de forma do objeto da conquista

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