sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XVIII
DE QUE MODO OS PRÍNCIPES DEVEM MANTER A FÉ DA PALAVRA DADA
(QUOMODO FIDES A PRINCIPIBUS SIT SERVANDA)


Quando seja louvável em um príncipe o manter a fé (da palavra dada) e
viver com integridade, e não com astúcia, todos compreendem; contudo,
vê-se nos nossos tempos, pela experiência, alguns príncipes terem
realizado grandes coisas a despeito de terem tido em pouca conta a fé
da palavra dada, sabendo pela astúcia transtornar a inteligência dos
homens; no final, conseguiram superar aqueles que se firmaram sobre a
lealdade.


Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as
leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo,
dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente,
convém recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se
necessário saber bem empregar o animal e o homem. Esta matéria, aliás,
foi ensinada aos príncipes, veladamente, pelos antigos escritores, os
quais descrevem como Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram
confiados à educação do centauro Quiron. Isso não quer dizer outra
coisa, o ter por preceptor um ser meio animal e meio homem, senão que
um príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma sem a
outra não é durável.


Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve
deste tomar como modelos a raposa e o leão, eis que este não se
defende dos laços e aquela não tem defesa contra os lobos. É preciso,
portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os
lobos. Aqueles que agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte.
Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando
isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as
causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os homens fossem bons,
este preceito seria mau; mas, porque são maus e não observariam a sua
fé a teu respeito, não há razão para que a cumpras para com eles.
Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua
quebra da palavra. Disto poder-se-ia dar inúmeros exemplos modernos,
mostrar quantas pazes e quantas promessas foram tornadas írritas e vãs
pela infidelidade dos príncipes; e aquele que, com mais perfeição,
soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário saber bem
disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador: tão
simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes,
que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar.


Não quero deixar de apontar um dos exemplos recentes. Alexandre VI
jamais fez outra coisa, jamais pensou em outra coisa senão enganar os
homens, sempre encontrando ocasião para assim poder agir. Nunca
existiu homem que tivesse maior eficácia em asseverar, que com maiores
juramentos afirmasse uma coisa e que, depois, menos a observasse; não
obstante, os enganos sempre lhe resultaram segundo o seu desejo, pois
bem conhecia este lado do mundo.


A um príncipe, portanto, não é essencial possuir todas as qualidades
acima mencionadas, mas é bem necessário parecer possuí-las. Antes,
ousarei dizer que, possuindo-as e usando-as sempre, elas são danosas,
enquanto que, aparentando possuí-las, são úteis; por exemplo: parecer
piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo realmente, mas
estar com o espírito preparado e disposto de modo que, precisando não
sê-lo, possas e saibas tornar-te o contrário, Deve-se compreender que
um príncipe, e em particular um príncipe novo, não pode praticar todas
aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons, uma vez
que, freqüentemente, é obrigado, para manter o Estado, a agir contra a
fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém,
é preciso que ele tenha um espírito disposto a voltar-se segundo os
ventos da sorte e as variações dos fatos o determinem e, como acima se
disse, não apartar-se do bem, podendo, mas saber entrar no mal, se
necessário.


Um príncipe, portanto, deve ter muito cuidado em não deixar escapar de
sua boca nada que não seja repleto das cinco qualidades acima
mencionadas, para parecer, ao vê-lo e ouvi-lo, todo piedade, todo fé,
todo integridade, todo humanidade, todo religião; e nada existe mais
necessário de ser aparentado do que esta última qualidade. É que os
homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque a
todos cabe ver mas poucos são capazes de sentir. Todos vêem o que tu
aparentas, poucos sentem aquilo que tu és; e esses poucos não se
atrevem a contrariar a opinião dos muitos que, aliás, estão protegidos
pela majestade do Estado; e, nas ações de todos os homens, em especial
dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa
é o sucesso das mesmas, Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o
Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados,
porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos
resultados, e no mundo não existe senão o vulgo; os poucos não podem
existir quando os muitos têm onde se apoiar. Algum príncipe dos tempos
atuais, que não convém nomear, não prega senão a paz e fé, mas de uma
e outra é ferrenho inimigo; uma e outra, se ele as tivesse praticado,
ter-lhe-iam por mais de uma vez tolhido a reputação ou o Estado

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