sábado, 24 de novembro de 2007

O PRÍNCIPE - CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XV
DAQUELAS COISAS PELAS QUAIS OS HOMENS, E ESPECIALMENTE OS PRÍNCIPES,
SÃO LOUVADOS OU VITUPERADOS
(DE HIS REBUS QUIBUS HOMINES, ET PRAESERTIM PRINCIPES, LAUDANTUR AUT
VITUPERANTUR)


Resta ver agora quais devam ser os modos e o proceder de um príncipe
para com os súditos e os amigos e, por que sei que muitos já
escreveram a respeito, duvido não ser considerado presunçoso
escrevendo ainda sobre o mesmo assunto, máxime quando irei disputar
essa matéria à orientação já por outros dada aos príncipes. Mas, sendo
minha intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse,
pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos
e não à imaginação dos mesmos, pois muitos conceberam repúblicas e
principados jamais vistos ou conhecidos como tendo realmente existido.
Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria
viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria
fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua
preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras
fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são
bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender
a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade.


Deixando de parte, assim, os assuntos relativos a um príncipe
imaginário e falando daqueles que são verdadeiros, digo que todos os
homens, máxime os príncipes por situados em posição mais preeminente,
quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que
lhes acarretam ou reprovação ou louvor. Assim é que alguns são havidos
como liberais, alguns miseráveis (usando um termo toscano, porque
"avaro" em nossa língua é ainda aquele que deseja possuir por rapina,
enquanto "miserável" chamamos aquele que se abstém em excesso de usar
o que possui); alguns são tidos como pródigos, alguns rapaces; alguns
cruéis, alguns piedosos; um fedífrago, o outro fiel; um efeminado e
pusilânime, o outro feroz e animoso; um humano, o outro soberbo; um
lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro
fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e
assim por diante.


Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encontrarem-se
em um príncipe, de todos os atributos acima referidos, apenas aqueles
que são considerados bons; mas, desde que não os podem possuir nem
inteiramente observá-los em razão das contingências humanas não o
permitirem, é necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir
à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar
até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas,
não podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do
respeito devido. Ainda, não evite o príncipe de incorrer na má faina
daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado;
pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa
que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra
que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-
estar.

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